Já escrevi há pouco tempo sobre o covid aqui e, inclusive, a pergunta desse post foi mais ou
menos o tema do primeiro episódio do SustentaíCast,
que começou exatamente na semana em que o governador do Rio de Janeiro
instaurou a quarentena, em meados de março. E apesar de já ser um tema
relativamente batido, dado que é o que mais vem sendo discutido pelos
profissionais de sustentabilidade nos dois últimos meses, sempre procuro trazer
uma visão diferente.
Uma das primeiras questões
levantadas, e que ninguém ainda tem a resposta, é se a disseminação do corona vírus
é ou não fruto de desequilíbrios ambientais causados pelo homem. Simplesmente não
sabemos. Outros pontos foram a redução das emissões de gases do efeito estufa,
redução de poluição do ar, mares e rios, sem contar redução de atividades industriais
intensivas em energia e matéria prima.
Obviamente tudo isso é muito bom,
mas, paradoxalmente, sabemos que parar o mundo por muito tempo é absolutamente
insustentável. Mas mesmo voltando, a verdade é que quando a pandemia acabar, a
economia não será a mesma de meses atrás.
Para entenderem onde quero
chegar, vou fazer um resgate de tempo. Eu comecei a palestrar em 2010,
inclusive por causa do blog. Desde 2013, pelo menos, eu falo em minhas
palestras que a gente ainda vivia no modelo do século XX, e que já tinha
passado da hora de virarmos a chave para o século XXI. E apesar de não ter
respostas ainda, acredito que essa pandemia vai fazer em alguns meses o que a
gente vem postergando há 20 anos.
Eu, particularmente, consigo
enxergar muitos legados que podem ser deixados pelo corona vírus para o planeta,
para as empresas, para as pessoas. A grande dúvida é se serão mantidos após o
fim da pandemia ou se o mundo forçará a ser tudo como antes. Espero que sejam. Espero
muito que sejam.
Do ponto de vista individual,
acredito que estamos meio que entendendo que não precisamos de tanta coisa para
viver. A fartura do século XX nos acostumou a acreditar que bastava ter para
ser. Mas não é bem assim. A necessidade está fazendo com que o consumo de forma
geral diminua e as pessoas se deem conta que as relações, essas sim, são
fundamentais para o corpo e para a alma.
E tiro como exemplo o dilema que a
maioria dos influenciadores digitais está passando ultimamente. É uma casta criada
no século XXI para avalizar um estilo de vida completamente insustentável que
vínhamos carregando há décadas e décadas. Aí eu pergunto, salvo raríssima exceção,
o que esses influenciadores tem a nos mostrar em tempos de pandemia? O desejo
por um estilo de vida que nem a gente quer mais?
Do ponto de vista corporativo, há
o legado de coisas simples, como finalmente estamos aprendendo a trabalhar remotamente
e isso acaba por impactar em indicadores ambientai, como redução da necessidade
de espaço físico, de transporte de pessoas, do custo intangível da (falta de)
mobilidade, da melhora na qualidade de vida. É claro que não estou falando para
trabalharmos o tempo inteiro de forma remota. Afinal, somos gente. E gente
precisa ver gente, estar com gente. Mas imagina o impacto financeiro, social,
ambiental se todas as empresas permitissem que seus funcionários fizessem
trabalho remoto 1x por semana?
Além da questão da rotina corporativa,
vejo uma outra possibilidade de legado do corona para as empresas e essa para
mim é, talvez, a mais importante. As empresas tiveram e estão tendo de se
reinventar. E rápido. Independente do tamanho, independente do setor. Desde a
cafeteria do bairro que agora só pode fazer delivery, até a empresa de exploração
de petróleo que viu o covid antecipar o que estava na iminência de acontecer,
que é a ruptura do setor a ponto de o preço do barril ter ficado negativo em
abril.
O distanciamento social, a queda
no consumo, tão impondo não somente uma reinvenção pura e simples; as empresas
estão sendo obrigadas a se desmaterializarem. Acontece que isso está começando
a impactar no nível de modelo de negócios.
Uma indústria de bebida, cuja
maior parte do faturamento vem da venda de cerveja para bares e restaurantes,
não vai conseguir compensar essa perda simplesmente fazendo entrega na casa do
cliente. Da mesma forma, que não vamos precisar ter 500 mudas de roupas se a
vida vai ser mais indoor e parte do trabalho for feito em home office. Também não
vamos mais precisar ter a posse do carro e de muitas outras coisas.
Meus queridos, o mundo mudou e mudou
forte. A empresa que não perceber isso e não fizer a correlação de
sustentabilidade com toda essa bagunça que está acontecendo, vai bater cabeça
nas próximas décadas. Se sobreviver até lá.
E a sua empresa, está preparada
para o futuro?