Sei que já falei sobre corona
vírus e sustentabilidade no primeiro episódio do SustentaíCast e sei também que o
mundo inteiro basicamente só fala disso. Tipo o que o corona tem a ensinar para
a transformação digital, para o RH, para o marketing, etc. O varejo pós corona
vírus, o cenário do mercado financeiro com o corona vírus. Enfim, todo mundo
está gerando conteúdo sobre qualquer coisa e o corona vírus.
Eu, particularmente, acho isso
muito chato. Eu entendo que o mundo está de cabeça para baixo, mas a vida
continua. Só que quando a vida se estabilizar, tenho dúvidas se ela vai se
normalizar. Porque normalizar parte do pressuposto de voltar ao que era antes.
E não creio nenhum pouco que isso irá acontecer.
Quem me conhece ou já foi a
alguma palestra minha, me ouviu falar inúmeras vezes que apesar de estarmos em
2020, a verdade é que a gente continua produzindo, consumindo e vivendo pela
mesma lógica do século passado. A tecnologia não foi suficiente para mudar a
nossa forma de lidar com sustentabilidade e nem com vários outros aspectos críticos
da nossa existência.
Na minha humildade opinião, o que
em décadas a tecnologia não conseguiu fazer, o corona vírus vai fazer em meses.
Entraremos, finalmente, no modo século XXI. Na marra. E já não era hora. Porque
a verdade é que o sistema econômico do século XX foi absolutamente insustentável
e estava inviável mantê-lo vigente.
Acontece que mesmo sendo um
modelo que, claramente, não deu certo, a gente perpetuava até ontem uma lógica
de explorar os recursos naturais o máximo que desse, pelo tempo que desse.
Somado a isso, tinha também a estratégia de empurrar a uma população que cresce
em velocidade exponencial um consumo absolutamente dispensável.
E aí que um tal de corona vírus bateu
na nossa porta e do nada passou a impor ao mundo inteiro a necessidade de encontrar
novas formas de satisfação que não seja pelo ter. Estamos descobrindo, enfim, que
ser feliz adotando um estilo mais minimalista é possível e não é papo de
maconheiro ou gente alternativa.
Que fique claro que quando falo
de estilo minimalista, nem em sonho estou falando de voto de pobreza. A
sustentabilidade, inclusive, nunca pregou isso. E se algum ecochato enche o seu
saco dizendo que você não pode fazer um monte de coisas, ele é só isso, um
chato. E extremista. Sustentabilidade nunca esteve nos extremos. Pelo contrário,
ela é o equilíbrio.
E quando falo desse equilíbrio,
de buscar novas formas de satisfação que não seja pelo consumo e que tem como
ser feliz adotando uma postura minimalista, estou falando, basicamente, de
consumir aquilo que é necessário e focar os sentimentos em experiências e em
valores. Acontece que em tempos de pandemia e quarentena, foi exatamente isso
que a gente passou a fazer.
Pergunto: tem alguém surtando
porque não está podendo comprar o lançamento da semana em uma loja de fast fashion, por
exemplo? Quer dizer, até tem como comprar, mas vai usar aonde? Nas lives
horrorosas que se disseminaram na mesma velocidade do vírus? Ou na ida ao
supermercado, combinando com a máscara de tecido de oncinha?
Acredito, até, que tenha gente
surtando por ter o ir e vir limitado, que na verdade será uma nova ordem
mundial mesmo com o isolamento sendo reduzido ao longo do tempo. Também imagino
muita gente surtando por ter perdido ou por medo de perder o emprego/negócio,
assim como também acredito que tenha gente surtando por não saber lidar com a
quarentena. Mas será que há um número considerável de pessoas surtadas pela
redução do consumo? Acho que não, né?
Acredito que o corona vírus trará
um grande ensinamento e que isso será refletido na economia e na sociedade. O novo
modelo econômico não será mais o de extrair o que der pelo tempo que for
possível e entupir as pessoas com coisas que elas não precisam. A mudança de
perspectiva será um grande desafio para as empresas, principalmente as que
nasceram no século XX e acham que inovação é fazer transformação digital. Que
nada mais é que usar a tecnologia para continuar fazendo as mesmas coisas de sempre.
A economia do século XXI é a
economia do conhecimento. A nossa vida será mais desmaterializada, com menos
posses e mais direitos de uso. A tecnologia, além de reduzir o tamanho das
coisas, nos permitirá estarmos presentes em qualquer espaço. A gente não vai mais
comprar produto. Vamos comprar serviços. E com isso as empresas do século
passado terão de correr para se reinventar.
Porque elas tiveram 20 anos pra
fazer a transição e apostaram que a resiliência faria a corda esticar para, no
final das contas, voltar para o que era antes. Não vai ser mais assim. A corda
arrebentou e o mundo entrou em modo de disrupção. E que bom que esse momento
chegou. A sustentabilidade agradece.