quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A moda sustentável além da simples sustentabilidade

Quando se fala em moda sustentável, a maioria das pessoas analisa pela perspectiva de produto, inclusive, ou principalmente, as marcas. Claro, para elas é extremamente conveniente que seja assim. Porque aí basta anunciar uma roupa que consome menos água, que gera menos resíduos, que tá tudo bem.

Não, não está nada bem.

A moda vai além da necessidade básica e perpassa por um estilo de vida e por várias questões sociais. Daria perfeitamente para qualquer ser humano viver com umas três mudinhas de roupa, um casaco e uns três pares de meia e sapatos que a necessidade básica estaria plenamente atendida. Mas não é isso que acontece. Para começar, você perde a aceitação social se andar com as mesmas roupas de sempre. Você perde autoestima, você perde oportunidades. E por aí vai.

E aí que a indústria da moda sacou isso desde sempre. E lança duas coleções por ano. E tem o fast fashion, que significa que toda semana vai ter roupa nova nas lojas de departamento. E cada ano uma cor é escolhida a cor da moda. E tem ano que a tendência é gola alta e depois vira gola baixa, e depois gola rolê e depois sei lá mais o quê (até rimou!) E no final das contas, diante de tudo isso, o que menos chama atenção é a sustentabilidade.

Isso porque ainda tem outro câncer desse setor que é o trabalho análogo ao escravo. Que parece que é endêmico, já que é quase que um business as usual do setor. Sério, na boa, é muita cara de pau uma empresa que vende uma peça de roupa a sei lá, 500 reais, pagar centavos por ela na ponta inicial dessa cadeia. E ainda tem a pachorra de dizer que a culpa é do fornecedor. Ah, vá!

Não faço ideia de como a coisa degringolou porque não acompanhei o caso e nem quero parecer injusta, mas também não vou passar a mão na cabeça porque aconteceu em priscas eras. Porque sustentabilidade ainda não é cultura da maioria das empresas. Então, se a gente não estiver lembrando toda hora, convenientemente, elas dão perdido e se esquecem de ser.

Pois bem, em 2014 escrevi aqui no blog sobre uma situação bizarramente bizarra da Renner. No final do ano ela foi anunciada como integrante do ISE da então Bovespa (hoje B3). Para quem não sabe, o ISE é um índice de sustentabilidade empresarial e diz reunir em sua carteira ações das empresas mais sustentáveis listadas na bolsa de valores. Também já escrevi sobre isso aqui no blog e apesar de já ter vários anos, continuo achando a mesma coisa. Mas isso não vem ao caso agora. Voltemos à Renner.

Então, no final de 2014 a Renner foi anunciada no ISE e exatamente UM DIA DEPOIS a imprensa divulgou que ela havia sido multada em dois milhões de reais por trabalho análogo ao escravo em sua produção. Ela, obviamente, jogou a culpa para os fornecedores. Oi? ISE. Empresa sustentável. Cadeia de fornecedores. Isso é tão Nike nos anos 90...

Sei que agora a Renner faz até relatório integrado (financeiro e de sustentabilidade) em tempo recorde, mas acredito que ainda tenha de prestar muitas contas à sociedade. E eu estarei aqui para não deixar que as pessoas se impressionem com ela lançar um relatório integrado em fevereiro de cada ano e se esqueçam do show de horror que foi o crime cometido “pelos fornecedores” há cinco anos.

Mas aí, fazendo jus ao título deste post, na verdade, a sustentabilidade na moda tem muito mais a ver com a gente e com as nossas escolhas do que processos e empresas sustentáveis. É claro que a indústria da moda é parte da equação, mas no final das contas é tudo escolha nossa. É nossa responsabilidade.

É claro também que não estou falando de fazer voto de pobreza e enfrentar a ferro e fogo os padrões sociais aos quais estamos acostumados. Mas também ninguém precisa de um guarda roupa animalesco, com roupa que nem lembrava que tinha comprado e aquela sensação de nunca ter o que vestir. Acredite em mim: ninguém vai se importar se você repetir roupa de vez em quando não. E se se importar, shame on them!


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