Ok, esse título é quase um click bait. Quase. Não falarei exatamente
de como a sustentabilidade está forçando as empresas a inovarem, mas de como
ela está forçando o setor de petróleo e gás a inovar.
Porque, na verdade, essa foi a pesquisa
base da minha dissertação de mestrado: como a sustentabilidade é um dos fatores
que está impactando a indústria de óleo e gás e como isso vem forçando as
empresas a mudarem seus modelos de negócio. Como entreguei a dissertação para o
orientador fazer os ajustes há cinco dias (por isso, inclusive, a não
atualização do blog nas duas últimas semanas), está tudo muito fresco na minha
cabeça e acho que vale a pena compartilhar um resumão da minha odisseia nestes
dois últimos anos.
Pois bem, há quase três anos
escrevi um texto aqui falando das perspectivas
da sustentabilidade corporativa. Na verdade, falei das várias evoluções que
a área passou e vem passando desde quando ela entrou no radar das empresas.
Falei do passo inicial, que é a área de responsabilidade social / ambiental, da
sustentabilidade atrelada aos processos, do planejamento estratégico
sustentável, da economia da sustentabilidade e da inovação para a sustentabilidade.
Tirando economia da
sustentabilidade, todas as outras já são relativamente familiares no ambiente
corporativo, apesar de nem todas as empresas colocarem todas as perspectivas em
prática. Lembrando que fazer planejamento estratégico sustentável, por exemplo,
não exime a empresa do compromisso em manter ações sociais e ambientais com
seus stakeholders e muito menos inserir
a sustentabilidade em seus processos de negócios e de produção.
Mas vamos lá, eu quero falar do
que no texto citado chamo de uma mistura da fase 3.5 e da 4.0, a inovação para
a sustentabilidade e a economia da sustentabilidade. Por inovação, a gente
entende uma infinidade de possibilidades, apesar de as pessoas, imediatamente,
associarem a novos produtos. Pode ser processo (apesar de haver um grande
embate sobre até que ponto fazer diferente a mesma coisa ou melhorar o que está
sendo feito é inovação), mas pode ser também modelo de negócios. E é nisso que
quero chegar.
Para quem não sabe, o meu
mestrado é em engenharia de produção, na linha de gestão e inovação. Para pesquisar
o futuro do modelo de negócios no setor de petróleo e gás, utilizei a premissa
que o setor de energia chama de 3Ds: descarbonização, descentralização e
digitalização. Mas antes de eu falar sobre os 3Ds, deixa eu explicar o que lá
no texto de 2016 chamo de sustentabilidade fase 3.5.
No futuro já nem tão em médio
prazo, mas ainda não exatamente em curto prazo, a sustentabilidade vai gerar
impactos tão profundos nas empresas, mas tão profundos, que nem RSA, processos
sustentáveis e nem planejamento estratégico sustentável, juntos, serão
suficientes. O impacto será no nível de modelo de negócios. E aí que entram os 3Ds
da energia.
A descarbonização da economia
como um todo é um fator crítico para o planeta, já que estamos na iminência das
mudanças climáticas. Só que é especialmente ainda mais crítico para a indústria
de petróleo e gás porque esta é, fundamentalmente, um setor intensivo em
carbono e outros gases responsáveis pelo aquecimento global.
A digitalização e a presença
forte da tecnologia no setor energético vão tornar viáveis o uso massivo da
energia limpa e renovável, além das baterias Se levarmos em conta que, hoje,
94% da matriz energética de transporte têm como fonte primária os combustíveis
fósseis, conseguir viabilizar o fornecimento contínuo de energia limpa e resolver
a questão da autonomia dos veículos elétricos, oops Houston, temos um problema.
Quer dizer, um problema para o setor de petróleo e gás.
Sobre a eletrificação do
transporte, a coisa está tão frenética, que os relatórios globais de energia
têm de refazer suas projeções ano a ano. E não são pequenos ajustes não, é
coisa grande. Em 2017, por exemplo, o relatório da BP estimou para um cenário
de referência a presença de 100 milhões de carros elétricos em 2035. Isso num
universo total de 2 bilhões de automóveis. Em 2018, a projeção foi revista e já
se estima 190 milhões de carros elétricos no planeta no período. Em um ano a
projeção mudou em 90%. Isso no cenário mais chinfrim que tem. O otimista vai
para a casa dos 320 milhões em 2035 e 500 milhões em 2040.
Somado a tudo isso, tem o D da
descentralização. A descentralização vai colocar o setor energético inteiro de
ponta cabeça, já que mudará por completo aquilo que se faz todo dia sempre
igual há uns 100 anos ou mais, que é o modelo de geração. Com ela, a
descentralização, nós, reles mortais, nos tornamos protagonistas e podemos
produzir nossa própria energia.
Tá, mas e o petróleo? Voltemos ao
petróleo. Um dado que eu não disse é que, hoje, 58% do petróleo e gás vão para
energia de transporte. Sabendo que o futuro do setor é a eletrificação e antes
disso a eficiência, podemos imaginar o tamanho do problema, certo? E se eu
disser pra vocês que outros 14% vão para a indústria petroquímica, que está
sendo metralhada por conta de seu principal produto, o plástico?
Não sei se sabem, mas 127 países
já possuem alguma restrição ao uso do plástico chamado “single-use”,
que é 70% da produção de plásticos. Sem contar que daqui a 2 anos, eu disse
DOIS ANOS, entra em vigor uma regulamentação super
restritiva ao plástico de uso único na Europa. Não sei se sabem, mas a bola
de neve que virou a proibição dos países à circulação de veículos com motores a
combustão começou
na Alemanha em 2016* e foi se espalhando pelo mundo, já tendo chegado, até,
na China e na Índia, os dois países com mais gente no mundo. Do the math.
Enfim, o assunto é muito mais
extenso (foram 104 páginas de dissertação), tem muito mais detalhes, mas a
questão é que as empresas de petróleo e gás entenderam o recado e entenderam
rápido. Hoje a maioria já se posiciona como empresa de energia. E mesmo aquelas
que no início da década de 2010 se desfizeram se seus ativos de energia limpa, já
voltaram para a jogada. Porque elas entenderam que o petróleo não vai acabar porque
ele é um recurso finito, mas sim porque o planeta não quer mais ele.
Mas enfim novamente, o que eu
quero dizer com esse post, é que no futuro a tônica da sustentabilidade corporativa
será essa. Ela, a sustentabilidade, sem dó nem piedade, vai forçar as empresas
a mudarem seus modelos de negócio. A indústria do petróleo talvez seja a
primeira, mas muitas outras rainhas do século XX virão à rebote, como a
mineração e a indústria automobilística, por exemplo.
E para elas e muitas outras, não
vai adiantar dizer que faz manufatura avançada, indústria 4.0, digitalização e
um monte de bla bla bla corporativo que está na moda. Por isso, lá no fundo, nada
mais é que fazer de forma diferente a mesma coisa de 1900 e bolinha. A questão
aqui é mais frenética. É simplesmente mudar o modelo de negócios. Ou cair fora.
E a sua empresa, o que ela está fazendo hoje pela sustentabilidade para se manter na jogada amanhã?
* Essa matéria do dia 08 de
outubro de 2016 falando da proibição que o parlamento alemão tinha aprovado para
a circulação de veículos com motores à combustão interna a partir de 2030 foi
que me deu o estalo para largar o mestrado que estava fazendo e começar outro
do zero. Comentei brevemente sobre isso no meu Linkedin: https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6526247193366577152
** Recomendo lindamente, a quem
tiver interesse, a leitura do relatório de cenários da Shell lançado no ano
passado. Nele, a empresa projeta 2070 com 16% de petróleo e gás no mix energético. DEZESSEIS POR CENTO.
Hoje isso está em 54%. Dá pra baixar por aqui: https://www.shell.com/energy-and-innovation/the-energy-future/scenarios/shell-scenario-sky.html