terça-feira, 19 de março de 2019

Consumidor sustentável até a página dois


O primeiro post que escrevi esse ano aqui no blog foi sobre a sustentabilidade das empresas até a página dois. Nele contei que, mesmo com o amadurecimento e a sofisticação das empresas/organizações em relação ao conceito de sustentabilidade, muitas acabavam não mantendo o discurso além da página dois. Acontece que assim como tem as empresas sustentáveis até a página dois, também tem os consumidores sustentáveis até a página dois.  Vamos a eles.

Primeiro é preciso entender que existem dois tipos de consumidores sustentáveis até a página dois. O tipo 1 é aquele ser greenwashing puro, que segue sustentabilidade pelo modismo e o gogó é mais afiado que qualquer atitude. Se a moda é ser vegano, ele faz discurso e blá blá blá. Capaz, até, de te xingar se você disser que come carne.

Se a moda é ser minimalista, não duvido nada que a pessoa faça um perfil nas redes sociais mostrando para o mundo como é um ser abnegado, que vive com meia dúzia de mudinhas de roupa. Porque para o consumidor tipo 1, não basta ser “sustentável”, tem de dizer ao mundo que é. E esse tipo é super fácil de ser desconstruído. É só ver no detalhe que o discurso é absolutamente frágil e que ele não sustenta uma conversa de sustentabilidade por meia hora. Esse perfil eu nem dou muita bola.

Vejamos o tipo 2. O outro consumidor sustentável até a página dois é o que me preocupa de verdade. Porque é onde está a maioria esmagadora da população, que daqui a pouco bate a casa dos oito bilhões. E quem seria esse consumidor? O consumidor sustentável até a página dois tipo 2 não tem a sustentabilidade causa, mas ele entende que é preciso fazer algo.

Só que como sustentabilidade não é a causa, o conhecimento do tipo 2 é limitado. Esse perfil se baseia muito nas manchetes de notícias e nos modismos. Ou seja, ele é altamente influenciado pelo marketing. Porque para esse consumidor, é irrelevante o senso crítico para a sustentabilidade. Basta seguir o que o fluxo está fazendo. Aí que mora o perigo. 

Por exemplo: o consumidor sustentável até a página dois tipo 2 acha que reciclagem é o suprassumo da sustentabilidade. Possivelmente ele não coloca isso em prática, mas acha que é o máximo que alguém sustentável chega.  Ele é um consumidor que fica passado com a história dos animais engolindo microplástico e comprou a ideia de que a solução é abolir os famigerados canudos de plástico.

O consumidor tipo 2, inclusive, tem o seu canudinho de metal, bambu ou vidro. Talvez tenha até encostadas no cabideiro algumas ecobags que ganhou de algum evento e não usa para nada. Se esse consumidor quiser alcançar o nirvana, pode ter certeza que vai pagar 50 reais naquele copo de silicone, que Deus sabe quando vai se decompor e na barriga de que bicho vai parar. Ah, não, copo sustentável de 50 reais quem compra o consumidor tipo 1.

Mas enfim, voltemos ao consumidor tipo 2. Ele reflete um comportamento que a mídia, tradicional ou da internet, passa para ele sobre o que é sustentabilidade. E é isso que as empresas querem que a gente acredite que seja sustentabilidade. A bem da verdade, para o consumidor sustentável até a página dois tipo 2, é ótimo que sustentabilidade seja exatamente essa que a mídia coloca e que o mundo impõe. Sabe por quê?

Porque o ser humano é um bicho que nasceu para viver e morrer na zona de conforto. A gente odeia mudança. Então quando falamos de reciclagem, quando falamos de pegar o plástico usado e fazer camiseta ou artesanato, quando falamos de simplesmente trocar a matéria prima de um produto por outra mais sustentável, o que estamos fazendo de verdade é apenas mudar a ponta final de um modelo econômico absolutamente insustentável.

Esse comportamento que é vendido como sustentável, nada mais é do que a gente assinar um documento chancelando um modo de produção e um estilo de vida que vem esgotando os recursos naturais planeta e deixando uma montanha de lixo como legado. É uma sustentabilidade praticamente inócua porque se ataca a consequência e não a causa.

A grande questão crítica da sustentabilidade, e para mim o maior problema dela, se chama consumo. É onde está a causa. É o que tem de ser atacado. A quantidade absurda de plástico que a indústria petroquímica produz é para atender demanda de consumo. A quantidade de petróleo queimada para virar energia, é para atender um estilo de vida nababesco. A quantidade de ferro, de ouro, de níquel, de qualquer minério extraído, é para atender demanda de produtos manufaturados. Acabar com a biodiversidade de um local para transformá-lo em pasto é para dar vazão a uma dieta nada sustentável (que fique claro, não sou vegana).

Então, quando a gente fala de trocar canudo de plástico por canudo de papel ou de vidro, estamos usando uma lógica de “sustentabilidade” completamente bizarra para um produto que, guardada as condições de quem realmente precisa, sequer é necessário. Tirar sacolas dos oceanos pra fazer tênis, é dizer para o mundo continuar mandando ver no consumo de plástico que no final das contas a gente faz uma coleção com eles e ainda descola uns trocados. Trocar um carro movido a gasolina por carro elétrico é certificar ao mundo que está tudo ok porque a partir de agora os engarrafamentos serão ecológicos.

Aí volto à questão do meio desse texto, quando falei que somos seres que nascemos para viver na zona de conforto. Para sermos uma pessoa sustentável até a página dois tipo 2, a gente não precisa se dar ao trabalho de mudar comportamento, mudar modelo mental, estilo de consumo nada. A gente nem precisa mudar tanta coisa. Na verdade, a gente não precisa mudar quase nada.

Ser sustentável tipo 2 é o mundo perfeito para o ser humano.  É só ficar de olho em uma ou outra coisinha e violà, fomos alçados à condição de cidadãos altamente preocupados com a sustentabilidade. E na outra ponta, deixar a sociedade praticando o mesmo modelo de consumo do século passado é o mundo perfeito para as empresas.

E no final das contas todo mundo fica feliz. A população em geral, que ou finge ou realmente acredita que o que é ela faz é sustentabilidade, e as empresas, que continuam fazendo o business as usual, versão verde século XXI. E o planeta? Ah, é, esqueci do planeta. Esse não fica nenhum pouco feliz com a história.  


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