Você já se deu conta de que a forma
como a gente enxerga a sustentabilidade é quase sempre de dentro para fora? Tipo,
no caso das empresas a gente olha para o impacto delas no meio ambiente, na sociedade,
na economia, ou o que mais você queira traçar como paralelo. Mas vamos dar um rewind nessa história e usar um outro
tipo de logica. Você já parou para pensar no impacto que a sustentabilidade
causou e vem causando nas empresas?
Para começar, sustentabilidade é
uma área que sequer existia da forma como é hoje há, sei lá, 15 anos. Tem-se o histórico
de várias empresas, como o Ponto Frio, por exemplo, que têm a sua fundação há muitas
décadas. Só que mais do que o conceito amplo de fundação que tem hoje, a
Fundação Ponto Frio e várias outras começaram como o braço de assistência
social da empresa lá em priscas eras. Sem contar que até mesmo por questões
legais, a área de meio ambiente sempre esteve lá.
Mas não é sobre meio ambiente, assistência
social e nem responsabilidade social que eu estou falando. É sustentabilidade
mesmo. Por mais que a gente ache que a maioria das empresas faz pouco a
respeito da sustentabilidade, desafio você a olhar o que as organizações eram,
sei lá, em meados da década de 90 ou início dos anos 2000 e o que elas são
agora.
Sim, eu acho que as empresas
deveriam fazer muito mais, e numa velocidade muito maior do que vemos por aí. O
planeta, em sua forma física e mental, clama por uma mudança mais rápida. Mas
dou o braço a torcer. Muita coisa foi feita e isso vem impactando bastante a
forma de se administrar, produzir, relacionar e negociar.
Por exemplo: empregos. Criou-se uma linhagem de empregos que sequer existia há
bem pouco tempo. Não estou falando dos empregos técnicos, que sempre demandaram
profissionais especializados, tipo engenharia ambiental ou a própria
assistência social. Falo do estagiário, do analista, do coordenador, do
gerente, do diretor de sustentabilidade. É claro que em muitos casos a área foi
juntada com meio ambiente, não raro com comunicação, ou foi a migração natural
de responsabilidade social. Mas digo que mesmo sendo esse o caso, as empresas
passaram a contratar profissionais para atuarem especificamente com sustentabilidade.
Sistema econômico. Por conta do surgimento da sustentabilidade
corporativa, diversas empresas surgiram na rebarba para dar suporte. São as especializadas
em escrever relatórios e prestar consultoria para isso, são as especializadas
em mudanças climáticas, as que ampliaram seu portfólio de treinamento e passaram
a oferecer soluções voltadas para educação para a sustentabilidade ou então as
que surgiram com foco nesse segmento educacional. São, ainda, as consultorias voltadas
para a estratégia da sustentabilidade que surgiram nos últimos 10 anos ou até
mesmo as grandes empresas de consultoria que criaram essa unidade de
negócios...
Só que o sistema econômico criado
vai muito além de mercado de trabalho e da criação de empresas especialistas em
soluções para a sustentabilidade. Aqui falo de fornecedores que passaram a
oferecer às demais empresas produtos com apelo da sustentabilidade. Exemplo
básico que já até caiu em desuso: papel reciclado.
Fornecedores. Ainda no tema fornecedores, o fato de a
sustentabilidade ter virado pauta dentro das empresas e fora delas mudou a forma
como a área de suprimentos atua. Ainda que esteja longe, mas muito longe do
ideal, as empresas passaram a ter um cuidado maior com suas compras. E mesmo
sendo difícil pacas monitorar e controlar, a verdade é que eu desafio vocês a
encontrarem uma média ou grande empresa que não tenha pelo menos um critério de
sustentabilidade para escolha de fornecedores. É o fiofó delas que está na
reta!
Produção. De novo, por mais que esteja longe do ideal, e a economia
circular, aquela que quem me acompanha no Linkedin
sabe o que eu penso, ser algo distante, as empresas entenderam que menos é
mais. Menos consumo de recursos naturais, menos desperdício de insumos, menos
resíduos. Mais lucratividade, mais redução de custos, mais eficiência
operacional. Isso, além de impactar a forma de trabalho da galera chão de
fábrica, impacta também os responsáveis pela linha de produção, que geralmente
são administradores, engenheiros de produção ou engenheiros mecânicos.
Produto. Mesmo que uma empresa não se posicione como sustentável, várias
indústrias de bens de consumo criaram linhas de produtos sustentáveis. É um
novo mercado, é um novo apelo, uma nova forma de comunicar. E isso elas
aprenderam na marra, porque o que mais se viu no início foi o marketing
tratando o produto sustentável da mesma forma que um produto tradicional. E lá
atrás isso foi um fiasco.
P&D. É simplesmente inimaginável hoje pensar que as empresas
estão pesquisando novos produtos sem considerar critérios de sustentabilidade.
Atenção, eu não disse que todos os produtos do mercado são sustentáveis, disse
apenas que a pesquisa para o desenvolvimento de novos produtos passou a levar
em conta fatores de sustentabilidade. E isso impacta a forma de trabalho da
galera do design, da engenharia química, engenharia de materiais, engenharia
mecânica, engenharia civil, arquitetura etc etc etc.
Inovação. Seguindo a mesma premissa do P&D, a inovação
corporativa também nunca mais será a mesma depois da sustentabilidade. E vou
muito além de desenvolvimento de produtos. Falo das inovações buscadas pelas
empresas para resolver seus problemas críticos que, quase sempre, envolvem
sustentabilidade. As organizações entenderam que a inovação aberta é a chave
para trazer para dentro soluções que elas não conseguiam pensar para dilemas
como escassez de água, mudanças climáticas, transição energética, gestão
de resíduos...
Processos. Por mais que uma empresa não seja sustentável, e mesmo
que infimamente, os processos dela de forma geral foram afetados pela
sustentabilidade nos últimos anos. Já falei aqui de alguns deles, mas vamos
olhar de forma macro. É o RH que vai criar a trilha do conhecimento da
sustentabilidade para todos os funcionários, é a comunicação que vai procurar
meios de passar a sua mensagem de forma menos impactante e que gere menos
resíduos, é a área de eventos que vai pesquisar melhores materiais para usar...
É o marketing institucional que
vai procurar passar um conceito de geração de valor da marca porque o
consumidor quer isso; é o financeiro, até mesmo por pressão de stakeholders,
que está sendo mais transparente; é o trade que não vai forçar tanto a barra
porque consumo responsável está na pauta da sociedade. É a área de compliance
cada vez mais valorizada no mercado....
E aí, por fim, tem aquele mata
leão que está chegando aos poucos, mas já tá no cangote de alguns setores: modelo de negócios. Ah, como tem
empresa que rapidinho vai ter de mudar o seu modelo de negócios por causa da
sustentabilidade. Falo do setor de mineração, que está na crista da onda por
causa dos desastres recentes, falo do setor automotivo, que vai ser engolido
pela mobilidade sustentável e a economia compartilhada, falo dos diversos
setores industriais que terão de se servitizar... E falo até com propriedade de
um setor que virou, inclusive, minha pesquisa de mestrado: petróleo e gás.
Há algumas poucas décadas, a
discussão sobre o pico do petróleo se dava pela perspectiva de esgotamento de
um recurso não renovável. Meu Deus, o que será de nós quando o petróleo acabar?
Hoje, já tem empresa de óleo e gás dizendo que em 50 anos o petróleo será
reduzido a pó, e pesquisa apontando o seu pico para 2023 por DEMANDA e não
oferta. E não vai adiantar correr para a petroquímica, porque ela também foi
tirada para cristo por causa do plástico.
A gente, com a mudança em curso,
pode até achar que a sustentabilidade corporativa está estacionada. Eu mesmo
tenho essa percepção quase que o tempo todo e vivo instigando as empresas a
fazerem mais e mais. Mas se a gente olhar para trás e traçar uma linha do tempo,
que nem precisa ser muito longa, coisa de 10, 15 anos, vai ver como houve
mudança. Ah, como houve.