Nos últimos nove anos o mundo
presenciou três grandes tragédias ambientais causadas por grandes empresas de hard
commodities. Duas dessas tragédias aconteceram no Brasil. Em pouco mais
de três anos. Diversas razões podem ser apontadas para as três tragédias. Mas
no final das contas, tudo gira em torno basicamente da mesma coisa: dinheiro. Vamos
pensar aqui: o que é uma commodity? Como a pesquisa que faço para o mestrado é sobre
petróleo e gás, que é uma commodity, fui buscar lá na minha dissertação uma definição
bem simples do termo:
“É um recurso que se encontra em
seu estado bruto ou com baixo valor agregado e nenhum ou baixo processo de industrialização”.
Ou seja, é o modelo de produção mais básico que tem. Uma de suas principais
características é que elas geralmente têm preços controlados globalmente. E eu
falei de hard commodity porque diz respeito à extração (petróleo e mineração), ao
contrário da commodity leve, que diz respeito à agricultura e pecuária.
Pois bem, introdução feita, voltemos
ao primeiro parágrafo, onde cito que nos últimos nove anos o mundo presenciou três
grandes desastres ambientais. No caso falo do desastre no Golfo do México, ocasionado
pela BP, o rompimento da barragem em Mariana, ocasionada pela Samarco e o
rompimento da barragem em Brumadinho, ocasionada pela Vale.
Por serem empresas com produtos
de baixo valor agregado e preços controlados, o setor de commodities é muito
sensível às questões financeiras. Além do show
me the money natural de qualquer empresa que vise o lucro, pela natureza da
operação, as (hard) commodities também são muito impactantes nas questões
sociais e ambientais.
Analisemos o caso da mineração.
Hoje o maior comprador de minério é a China. Assim como o Brasil, a Austrália é
uma grande produtora de minério. E geograficamente ela fica muito mais perto da
China que o Brasil. Levando-se em consideração que as empresas do setor não
controlam o preço do produto, vocês hão de convir que os custos do minério na
Austrália são menores que no Brasil. Aí entra o diretor financeiro, o tal do
CFO, na jogada. Porque meus queridos, o preço de produção precisa ser
competitivo.
E aí as empresas começam a pensar
onde podem enxugar despesas. A primeira questão é que nenhuma empresa
contabiliza as externalidades sociais e ambientais. Não estou falando dos
custos diretos para responder condicionantes de licenciamento ambiental, por
exemplo, mas os indiretos.
Tipo, uma empresa de mineração,
vira e mexe, faz supressão vegetal em morros para extrair minério de lá. Dentro
do projeto de licenciamento dela, pode ter até a compensação, que geralmente é
a criação de um viveiro de mudas e um planejamento de reflorestamento em algum
lugar. Mas o que significa aquele local específico perder flora e consequentemente
fauna, sabendo que a gente vive em um ecossistema onde tudo está interligado? Essa
é a questão um que empresa alguma contabiliza. Isso é externalidade.
Vamos para a questão dois. Essa é
a mais delicada porque é uma linha muito tênue entre ética e negócios. Não vou
citar como exemplo o caso da Vale porque ainda é muito recente e ainda falta
muita informação ser apurada. Mas voltemos a 2010, com o derramamento de óleo
da Deepwater Horizon,
que operava para a BP.
A BP durante muito tempo fez
lobby no congresso americano para não precisar ter como item obrigatório um
equipamento de segurança que custava 500 mil dólares. Ela alegou que se tivesse
de gastar esse valor em todas as plataformas, a operação seria inviável. Uma
empresa que tinha valor de mercado de 100 bilhões de dólares não queria gastar
500 mil dólares com equipamento de segurança para as plataformas.
Fui lá no site do investing.com e
tirei a média do preço do barril de petróleo no mês em que ocorreu o desastre
(abril/2010): 85,75 USD. Um preço muito bom, dado todo o contexto macroeconômico
da época. Para vocês terem ideia, a média do mês passado foi 60,24 USD. Isso porque
o preço está subindo. Em janeiro de 2016 o barril chegou a 27,10 USD, o menor
patamar desde novembro de 2003.
O que eu quero dizer com isso? Se
com o barril a 85,75 dólares a BP abriu mão de investir em segurança e meio
ambiente, o que será que as empresas de petróleo não deixaram de fazer a mando do
top top das finanças, quando o barril foi pro ralo chegando a custar pouco mais
de 27 dólares? Aí eu pergunto: qual o papel do diretor de sustentabilidade numa
hora dessas? Fazer o que é certo, peitar quem tiver de peitar e colocar o emprego
na reta, fazer a egípcia ou ele, sequer, é consultado na tomada de decisão
crítica da empresa?
Pela experiência que eu tenho,
tendo a acreditar na terceira opção. E isso dói pra cacete. Tô pra ver um CSO,
diretor de sustentabilidade, head de sustentabilidade ou qualquer whatever de
sustentabilidade ter voz em qualquer decisão estratégica da empresa. Poucos são os que respondem para a presidência.
Não raro eles ficam naquele guarda-chuva que junta, segurança, recursos humanos
e qualquer outra área cujo diretor jamais vai chegar a presidente.
Pois bem, foquei aqui na lógica
de funcionamento de uma empresa de commodities e como ela é influenciada pela
área financeira, por mais que gere altíssimos impactos sociais e ambientais. Mas
não se iludam, setores menos voláteis também fazem isso aos montes.
Quem aqui é do Rio e se lembra da
ThyssenKrupp/CSA, atual Ternium, que para
reduzir custos de obra da usina, entregou a construção para uma empresa chinesa,
que para economizar, simplesmente deixou de colocar um filtro que casou
problemas respiratórios na comunidade que vivia no entorno? O custo disso?
Várias multas não pagas e a construção de uma escola sustentável na região como
cala a boca. Então eu pergunto: onde estava o/a diretor/a de sustentabilidade
nessas horas? Aliás, existia essa pessoa na hierarquia da empresa?
E aí a questão crítica é o que
poderia acontecer nesses e em vários outros casos, se a pessoa responsável pela
área de sustentabilidade da empresa tivesse o mesmo poder decisório do cara que
manda no dinheiro? Aliás, o que ainda vai acontecer porque a pessoa responsável
pela sustentabilidade das empresas não tem poder de decisão?