Quem é do mundinho da
responsabilidade social está mais do que familiarizado com a sigla ISE, que neste
caso não é a do Índice
de Sustentabilidade Empresarial da B3 (antiga Bovespa), mas a de investimento
social empresarial. Ou investimento social privado (ISP), como também é
comumente chamado.
Mas Julianna, o que é esse tal de
ISE da responsabilidade social? Indo lá no site do ISE
(o da B3 mesmo), vi uma definição bacana:
“Os recursos privados que são voluntariamente repassados a uma causa,
de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais
e culturais de interesse público são chamados de Investimento Social Privado
(ISP) empresarial. O ISP inclui doações filantrópicas feitas pelas companhias,
apoio a projetos de organizações sem fins lucrativos e também projetos próprios
que tenham como objetivo gerar benefício público”.
Traduzindo, isso seria a grana
que a empresa disponibiliza anualmente para financiar projetos seus e/ou de
terceiros que têm pegada social, ambiental ou cultural. Bonitinho, não? Pois é,
mas acontece que tem um componente crítico nesse financiamento de projetos aí
que envolve tomada de decisão. Vamos pensar: o que leva uma empresa escolher financiar
determinados projetos?
Geralmente essa definição de onde
aportar o dinheiro tem a ver com a causa que a empresa escolhe abraçar.
Educação por exemplo. Empreendedorismo. Cultura, esportes. Enfim os temas são
diversos e isso é definido pela área da que trata diretamente do ISE da empresa,
seja sozinha ou com respaldo de alguma hierarquia superior.
Mas a dúvida que paira no ar é: o
que leva a empresa a escolher tal causa? Não sou expert no assunto, já que minha
passagem pela área de responsabilidade social foi bem breve, mas posso dar os
meus pitacos. Da experiência que tive trabalhando na área, a decisão de onde e
no que investir era tomada a partir de demanda de stakeholders.
Particularmente eu acho esse modelo
bem temerário. Não sei se vocês já tiveram experiência de um dia trabalhar com
relacionamento com stakeholders, mas
o negócio é intenso e as demandas são com base no que o público de
relacionamento quer, não no que efetivamente é importante para a empresa.
Tirando essa minha experiência particular,
por observação, vejo muita empresa que não tem critério algum ao definir a
causa que apoia. Muitas trabalham com cultura e esporte. Pergunto: qual o propósito
de utilizar a cultura como causa? Sei lá. Deve ser porque é bonito e pega super
bem com a sociedade civil dizer que apoia projetos relacionados à cultura. Ponto.
Só que convenhamos, isso não passa de filantropia, né?
Não vejo problema algum em fazer
filantropia. Fazer o bem, seja ele da forma que for, é válido. A questão é que
dinheiro é um treco escasso. Ainda mais se estivermos falando de dinheiro
corporativo. E a crise pela qual o Brasil vem passando nos últimos quatro,
cinco anos está aí para provar o meu ponto. Ô área que sofreu, essa de
responsabilidade social, viu! E quando digo isso, falo também da área que na
empresa é chamada de sustentabilidade, mas que na rotina do dia a dia faz
puramente RSE.
Na minha opinião, quando o
dinheiro é escasso, mais do que a simples filantropia, a tomada de decisão sobre
a grana deve ser estratégica. Tipo, a causa apoiada tem de estar diretamente ligada
à geração de valor para a empresa. Porque senão é o que vai acontecer sempre, o
cinto aperta, o dinheiro some e todo mundo fica chupando dedo. Inclusive o
analista da área que, provavelmente, vai perder o emprego.
Julianna, você fica falando,
falando, falando, metendo o pau no que vê por aí, mas, como escolher a causa
certa para investir o escasso dinheirinho corporativo?
Obviamente essa resposta não tem
fórmula certa, mas minha recomendação é pensar na dor social da empresa. Tipo, o
que do ponto de vista social pode impactar a estratégia do seu negócio lá na
frente se você não adotar a causa hoje? Que tema social é crítico para a sua
estratégia nos próximos cinco, dez anos?
Sempre que toco nesse tema de
investimento social estratégico,
dois exemplos me vêm à mente porque são empresas que entenderam perfeitamente o conceito
de dor social. Um exemplo é o do Instituto
Souza Cruz, que há mais de década tem como causa o empreendedorismo jovem. As
diretrizes do programa podem até mudar de tempos em tempos, o alcance ser
alterado, mas há uns quinze anos ou mais a Souza Cruz investe o seu dinheiro
social na formação de jovens empreendedores. E por que isso?
Para quem não sabe, o modelo de
negócios da Souza Cruz não é plantar fumo. Ela compra a produção de
agricultores de pequenos municípios da região sul do Brasil. Uma das principais
características desse tipo de agricultura é que ela é fundamentalmente familiar.
Lá atrás, bem no início da criação do Instituto, a Souza Cruz identificou que
uma de suas principais dores sociais é que por falta de atratividade nas
pequenas cidades, esse jovem filho do fumicultor acabava saindo para buscar
melhores oportunidades nas cidades maiores e não costumava voltar.
Só que tendo como peça chave do seu
negócio a compra do fumo plantado pelo pequeno agricultor, a Souza Cruz
entendeu que se ela não investisse em ações para reter esse jovem na cidade
dele, lá na frente, num futuro bem futuro, o negócio dela poderia ficar
comprometido. No momento que ela entendeu isso, a causa do Instituo passou a
ser, justamente, o desenvolvimento de jovens empreendedores. Quando eu estava
na Souza, o escopo era a região sul do Brasil. Pelo que vi agora, o programa
foi ampliado para onde a Souza Cruz tem unidades de negócio, mas a lógica
permanece a mesma.
O outro exemplo é de uma empresa
que eu não lembro o nome, mas acho que era tipo recrutamento e seleção de
profissionais de petróleo e gás. Se não for, era alguma empresa de óleo e gás.
O que importa é a raciocínio utilizado para definir a causa. Pois bem, quem
aqui lembra das vacas gordas, quando o Brasil era o cara e o nosso desemprego
era mínimo? E quem lembra do apagão de engenheiros que a gente teve nessa época?
Então, essa empresa que eu não
lembro o nome identificou que escassez de recursos humanos era uma dor social dela e do setor de petróleo. Além de perceber
que a tendência era piorar, viu que grande parte do problema da falta de
engenheiros no mercado tinha a ver com dificuldade das pessoas com o estudo de
exatas. A partir daí, qual foi a causa que ela adotou para investimento social ESTRATÉGICO? Reforço de matemática nas
escolas de ensino fundamental! Não é lindo?
Pode perecer complicado, mas não
tem mistério. Quando a gente passa a pensar no investimento social da empresa
como algo que vai além da filantropia, todo mundo ganha. Porque ao resolver uma
dor nossa, aquele dinheiro minguado, ralado e pouquinho deixa de ser para fazer
algo guti guti em nome da empresa e passa a ganhar contexto estratégico. Sem
contar que além de ser bom para a gente, também estamos resolvendo um problema
da sociedade. Não raro, de forma mais rápida e efetiva.