Em dezembro de 2014, lembro que a Renner foi acusada de fazer uso de
mão de obra análoga à escrava dois dias depois de ser incluída no Índice de Sustentabilidade
Empresarial da antiga Bovespa, hoje B3. Na ocasião escrevi um artigo
questionando o ISE ter aceito uma empresa com esse passivo (mesmo não sendo a
responsável direta). Junto com o questionamento, fui no relatório de
sustentabilidade da empresa ver o que ela falava de trabalho escravo. A quem
interessar possa, o texto está aqui: https://bit.ly/2WkoXso
Um mês antes, também em 2014, escrevi um artigo cujo tema central era
o que os relatórios de sustentabilidade das empresas até então implicadas na
Lava Jato falavam sobre corrupção. Em 2015, na época que estourou a barragem de
rejeitos de Mariana, fiz a mesma coisa com o relatório de sustentabilidade da
Samarco. Aos interessados segue o artigo sobre as empresas da Lava Jato (https://bit.ly/2B3pN3y)
e da Samarco (https://bit.ly/2B42E0V).
Meu ponto com esses três artigos é: para que serve, afinal, a porra do
relatório? Se tudo está lindo e maravilhoso como todas as empresas reportam,
por que acontece tanta merda? É por
causa disso (e de outros horrores) que desde sempre eu tenho pinimba com
relatórios. Tipo, não é de hoje, é desde sempre. É desde quando ele era modinha
e todas as grandes empresas gastavam rios de dinheiro fazendo uma obra de
ficção para chamar de sua.
Pois bem, aproveitando a vibe, peguemos então o último relatório de
sustentabilidade da Vale, que é o de 2017, e vejamos o que ela fala de
Brumadinho. Das 179 páginas do relatório, temos ZERO, eu disse zero páginas que
falam de Brumadinho. Aliás, a palavra, sequer, é mencionada no relatório
inteiro. Tentemos Córrego do Feijão: zerinho. Ué... estranho...
Pelo que fui pesquisar na internet, na mina do Córrego do Feijão, a
barragem de rejeito que rompeu já não era usada há três anos. Vamos analisar
criticamente a informação. Primeiramente, o que são barragens de rejeitos?
Grosso modo, é um reservatório que contém a escória do minério. É aquilo que
não tem valor econômico no beneficiamento de minério. Apesar de nenhum ou baixo
valor econômico, por questões ambientais precisa ser armazenado.
Entendido o conceito, voltemos à informação de que a barragem não era
usada pela Vale há três anos. O que ela seria então? Um passivo ambiental? Acho
que podemos dizer que sim. Mas tipo, por ser um passivo ainda é
responsabilidade da empresa, não? Eu acho que sim. Partindo do princípio que é
realmente uma responsabilidade da empresa, por que cargas d’água não há uma
linha sequer no relatório de sustentabilidade falando de Brumadinho ou qualquer
outra barragem que não é mais utilizada? Esquisito, não?
Então, não satisfeita com esse fato, fui fuxicar o que era falado
sobre Mariana no relatório da Vale. Vamos lá. Na busca por palavras chave,
Mariana foi citada cinco vezes. Isso mesmo, CINCO VEZES. Considerando que este
é o MAIOR DESASTRE AMBIENTAL DO BRASIL, e que tinha ocorrido há pouco mais de
um ano (lembrando que o relatório é de 2017), é muito estranho um relatório só
falar dele em cinco ocasiões.
Ain, Julianna, mas nesse caso a operadora era a Samarco, a Vale era só
uma das controladoras. Eu até concordo, mas nem a mídia, nem você deixa de
falar de Mariana sem mencionar a Vale. Então, meus caros, não posso fazer nada,
mas esse é um peso que a Vale terá de carregar para o resto da vida. Ainda mais
agora.
Mas voltando ao relatório, é muito, muito estranho a Vale falar pouco
e falar superficialmente de Mariana. Ainda mais porque mesmo já tendo saído alguns
bilhões de sua conta, as multas, vêm sendo proteladas desde o início. Até agosto
de 2017 (21 meses após o desastre), apenas 1% das multas tinha sido paga. Isso
sem contar o débito com as pessoas impactadas, que está longe de estar quitado,
aliás, nem faz cosquinha. Inclusive, esse é um ponto absolutamente nevrálgico.
Lembrando que quando a gente fala de indenização, estamos falando de
gente. Gente que perdeu gente, gente que perdeu casa, gente que perdeu seu
sustento. Então, mesmo que a Vale esteja pagando às duras penas e morrinhando o
quanto pode, é completamente imoral ela não ser transparente com a sociedade em
relação ao maior desastre ambiental do país. Não, Vale, não é pergunta lá no
Posto Ipiranga (vulgo Fundação Renova), não. Cabe a você e à Samarco (que nem
publica mais relatório de sustentabilidade) assumirem a responsabilidade de
dialogar com a população.
Não se iludam. Relatório de sustentabilidade continua sendo o trelelê que
as empresas não têm coragem de parar de fazer, mas é só isso: trelelê. Ele já
deixou há um bom tempo de ser o xodó da galera e fiquem de olho porque a
modinha agora é todo mundo ter um ODS para chamar de seu.
Inclusive esse último relatório da Vale é todo ligado nos ODSs. Coisa linda de Deus.
#SQN.
EDIT: Inspirado nesse post (ele não vai admitir), o Julio Campos se aprofundou e foi ler relatórios anteriores da Vale. No de 2016 ele encontrou o seguinte:
O que isso sugere? No mínimo do mínimo que a Vale foi negligente. Mas hoje é fácil entender o que essa informação significa. Mas solta assim e descontextualizada, ela passa batido pela meia dúzia de gatos pingados que leem relatório de sustentabilidade. Agora imaginem quantas pontas soltas não tem por aí nos milhares de relatórios que as empresas divulgam todos os anos?
EDIT: Inspirado nesse post (ele não vai admitir), o Julio Campos se aprofundou e foi ler relatórios anteriores da Vale. No de 2016 ele encontrou o seguinte:
O que isso sugere? No mínimo do mínimo que a Vale foi negligente. Mas hoje é fácil entender o que essa informação significa. Mas solta assim e descontextualizada, ela passa batido pela meia dúzia de gatos pingados que leem relatório de sustentabilidade. Agora imaginem quantas pontas soltas não tem por aí nos milhares de relatórios que as empresas divulgam todos os anos?
Finalizando, em meados de 2017, na segunda temporada do
Sustentaí, cujo tema foi sustentabilidade nas profissões, entrevistei a
Bernadete Almeida para falar de como o profissional de comunicação corporativa
poderia trabalhar a sustentabilidade. Ela foi gerente de comunicação na Vale
por bastante tempo e deu uma aula sobre gestão de crise. Além disso, ela falou
do maior pesadelo de uma mineradora, que é, justamente, o rompimento de barragem.
Vale a pena assistir:
Ah, criei um grupo de sustentabilidade no whatsAPP, o Sustentabiidade
BR_v2 (o 1 já está lotado). Quem quiser participar, basta acessar o link https://bit.ly/2Ri94yO
e entrar.