Em junho deste ano o blog completa 10 anos e é interessante ver como o que escrevi sobre sustentabilidade corporativa foi se sofisticando ao longo do tempo. Só que assim como fui melhorando no desenvolvimento do meu conteúdo, discurso e conhecimento a respeito do tema, as empresas também sofisticaram sua visão de sustentabilidade na última década, o que é fantástico! Mas... como tudo que tem bônus vem com ônus, posso dizer que elas também se sofisticaram na forma de fazer greenwashing.
A diferença é que hoje o risco de quem conta uma mentira sustentável é muito maior, já que a sociedade não é mais a mesma de 10 anos atrás. As demandas e as críticas também se sofisticaram, graças a Deus. E é sobre essa sofisticação na enrolação que eu quero tratar no primeiro post de 2019.
Não vou citar nomes aqui, pois o objetivo deste artigo não é polemizar e, muito menos, apontar o dedo para as empresas/instituições tal, tal e tal. O que quero é apenas fazer uma análise crítica da situação e alertar as pessoas sobre a famigerada embromation verde que as empresas cismam em praticar, mesmo já tendo passado 1/5 do século XXI. Pois bem, vamos então aos fatos para esclarecer melhor o que quero dizer quando coloco o título desse post como “A sustentabilidade das empresas só até a página dois”.
No ano passado, uma entidade de classe aqui do Rio de Janeiro, que cravou em sua missão o termo desenvolvimento sustentável, realizou uma série de eventos cuja temática era, justamente, a sustentabilidade corporativa. Alguns eventos foram fracos, mas no geral posso dizer que a maioria dos que eu fui foi bem boa. E levando-se em consideração que o Rio sempre foi hostil ao tema, além do contexto econômico que estamos passando, a atitude é mais do que louvável.
Então, não sei se quem é de fora do Rio ou fora do círculo da sustentabilidade sabe, mas em meados do ano passado a cidade do Rio de Janeiro passou a proibir que o comércio local disponibilizasse canudos de plástico nos estabelecimentos. Legal, não? E num mundo em que cada vez mais se discute problemas como o microplástico e a poluição dos oceanos, a atitude é super válida. Mesmo eu achando que a solução não esteja nas leis, mas com a gente, população. Afinal, mudar o comportamento e optar por não utilizar mais canudos (salvo quem realmente precisa) é muito mais efetivo, não é mesmo?
Pois bem, e nesse trelelê dos canudos, o que foi que essa entidade de classe, super “antenada” com a sustentabilidade, fez? Um evento promovendo a conscientização para o problema do plástico descartável? Um evento para seus associados mostrando as oportunidades que vão surgir a partir do plastic free, movimento que está ganhando força no mundo inteiro? Não e não.
A entidade que passou 2018 gastando rios de dinheiro promovendo eventos de sustentabilidade corporativa simplesmente foi fazer lobby com vereador para derrubar a lei dos canudos, já que seus associados fabricantes dos canudinhos de plástico reclamaram do prejuízo que a proibição estava trazendo a eles. Oi?
Segue o fluxo.
Nesses primeiros dias do ano, li em diversos sites sobre o pedido do Ministério Público para que o Youtube apague vídeos de canais que contém publicidade infantil escondida. Vamos voltar um pouquinho no tempo. Dezembro de 2018, navegando na internet, me deparo com a seguinte manchete: Youtuber de 8 anos fatura US$ 22 milhões em 2018 avaliando brinquedos. Somando por alto isso dá uns 80 milhões de reais. Criança. Oito anos. 80 milhões. Avaliando brinquedos.
Aqui no Brasil as cifras estão muito longe dos 80 milhões de faturamento, mas o modus operandi das empresas, é o mesmo. Elas pagam para crianças falarem para outras crianças sobre seus produtos. Para piorar o que já é ruim, se a gente pegar essas marcas de brinquedo, por exemplo, todas, eu disse TODAS, vão ter lindas declarações de sustentabilidade, de ética, de valorização da infância, de diversidade e bla bla bla.
Mas pergunto: que sustentabilidade? Que ética? Que valorização da infância? De que adianta colocar no mercado uma boneca negra que representa parte da sociedade até então negligenciada, se a forma de fazer essa boneca chegar na casa das pessoas é pagando para uma criança que ainda está em formação de valores e de senso crítico para ela mostrar na internet o seu “presente” a outras crianças?
Esses dois exemplos que dei sobre sustentabilidade corporativa até a página dois me fizeram lembrar de um dos melhores livros de sustentabilidade e que eu sempre recomendo a todos em meus cursos e palestras. Ele é, também, presença constante na bibliografia de meus artigos acadêmicos quando escrevo sobre inovação em modelo de negócios sustentáveis: Corporação 2020, do economista indiano Pavan Sukhdev. Se você ainda não leu, leia. Vale muito a pena.
Em Corporação 2020, Sukhdev fala dos três maiores problemas que fizeram o capitalismo do século XX algo completamente insustentável: alavancagem financeira, lobby e publicidade. Não me vem à mente agora um exemplo financeiro para colocar aqui (mas óbvio que tem), mas vocês conseguem vislumbrar com os outros dois exemplos, que mesmo sofisticando a sustentabilidade e a forma de disseminar o seu valor, não raro, as empresas e entidades de classe continuam praticando e defendendo o mesmo modelo de gestão do século passado?
Aí eu pergunto: tem como isso dar certo agora, num mundo muito mais fluido, mais digital e tecnológico, sabendo que não deu certo décadas atrás, quando tudo era uma grande caixa preta?
...
Galera, nos últimos três anos, confesso, esse blog capengou e foi relegado a um papel nem de coadjuvante, mas de total figurante mesmo. Isso se deu por uma série de questões pessoais e profissionais, principalmente por causa do mestrado e de muito trabalho. Como sempre encarei esse espaço como uma oportunidade de extravasar meus devaneios e não como um meio de pagar meus boletos, teve uma hora que ficou complicado conciliar e eu precisei dar um tempo.
Acontece que o mestrado já está acabando (\o/) e este espaço vai ser incorporado ao Sustentaí. Para quem não conhece, o Sustentaí é a startup que criei com o propósito de democratizar o conhecimento da sustentabilidade, transformando o tal do conteúdo cada vez mais sofisticado, em algo simples e digerível num café da manhã.
O Sustentaí surgiu em 2017 e o que era para ser apenas um canal no Youtube, ganhou corpo em outras frentes. Como em 2018 fiquei sozinha, não tive braço para tirar diversas das coisas que tinha em mente do papel. No entanto, agora em 2019, ele já está sendo reposicionado e vai ganhar um contexto completamente diferente dos dois últimos anos.
E aí entra o O olhar sustentável, que passa a ser estratégico nesse novo posicionamento. Por conta disso ele voltou à ativa e será atualizado todas as segundas-feiras. Acompanhem aqui semanalmente textos críticos e ácidos sobre sustentabilidade corporativa e não deixem de curtir o Sustentaí nas redes sociais!
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