Ironia das brabas, a primeira
versão desse texto foi escrita em 2010. Ou seja, tem oito anos. E a única coisa
que fiz foi, basicamente, atualizar dados e links. A lógica e a crítica
continuam quase que a mesma. E não, isso não é nada bom. Enfim, vamos lá.
De tempos em tempos a ONU publica
um relatório que contém uma pesquisa que mostra a visão dos CEOs em relação à
sustentabilidade. O primeiro relatório que li com profundidade foi o de 2010: “A
new era of sustainability – UN Global Compact-Accenture CEO Study 2010”,
que contou com entrevistas de 766 presidentes em 100 países, representando 25
setores da economia. Salve São Google porque me deu uma trabalheira para achar
o link!
De acordo com esse estudo, 93%
dos CEOs acreditavam que a sustentabilidade seria crítica para o sucesso do seu
negócio no futuro. Além disso, 96% apontavam que as questões de
sustentabilidade deveriam estar totalmente integradas à estratégia e operação
da empresa. Era um salto extremamente considerável em relação à pesquisa
anterior, quando o índice já era alto (72% em 2007).
Pois bem, 2016. Nossa, quanta
coisa aconteceu de 2010 até 2016. Rio +20, término do Protocolo de Kyoto,
Acordo de Paris, preço do petróleo no ralo, um maluco chamado Elon Musk
emergindo, uma guerra climática tomando contornos políticos dramáticos e
causando desconforto na Europa inteira, fim dos Objetivos do Milênio,
lançamento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, Donald Trump eleito...
E aí que em 2016 a ONU divulga
mais uma edição do estudo conduzido em parceria com a Accenture sobre a
percepção que os CEOs têm sobre sustentabilidade. O link na nova pesquisa está
aqui, ó: The
UN Global Compact-Accenture Strategy CEO Study 2016 Agenda 2030: A Window of
Opportunity
Vamos brincar de pular para sete
anos no tempo?
Para quem como eu é da vibe
entendeu ou quer que desenhe, coloco o infográfico de 2016 com os principais
dados aqui abaixo:
Para quem gosta das letrinhas,
segue alguns desses dados devidamente comentados:
Mil CEOs entrevistados, mais de
100 países, mais de 25 indústrias. Do total, impressionantes 97% dos CEOs
acreditam que cof, cof, cof, sustentabilidade é importante para o sucesso
futuro dos seus negócios. Além disso, 89% dizem que o comprometimento com a
sustentabilidade está se traduzindo em impacto real nos seus setores. Enquanto
isso, 87% acreditam que os ODSs são uma oportunidade de repensar abordagens na
criação de valor sustentável.
Já 80% dos CEOs acreditam que
demonstrar um comprometimento com a sociedade é um diferencial na sua indústria,
sem contar, ainda, que 88% deles acreditam que uma melhor integração de
questões de sustentabilidade no mercado financeiro é essencial para se fazer
progresso. Não é lindo?
Tem coisa melhor! Do total de
entrevistados, 59% reportaram que sua empresa era capaz de quantificar com
precisão o valor das iniciativas de sustentabilidade no seu negócio. Aleluia,
irmão, é milagre da Copa!
Ok, piadas à parte, voltemos à
linha do tempo de eventos que acontecerem entre o relatório de 2010 e o de
2016. Fator um: preço do petróleo. Não lembro datas exatas, mas em 2014 o
barril atingiu o pico de 110 dólares e em 2016 ou 2015 ele chegou a custar
menos de 30 dólares. Que CEO entrevistado teve fiofó de deixar passar essa
promoçãozinha sensacional da energia de alto carbono e dizer que bancou o uso
de energia renovável, mesmo com o IPCC lançando em 2014 um relatório dramático
sobre aquecimento global?
Fator dois: cadê o
comprometimento dos CEOs com uma sociedade que ganha centavos num mercado
escravagista como a moda, que deixa milhões morrendo de fome enquanto se
desperdiça 1/3 dos alimentos, que protela na justiça o pagamento de
indenizações a moradores que perderam tudo no desastre de Mariana?
Tenho uma perguntinha cri cri: o
que os CEOs entrevistados entendem por sustentabilidade corporativa? De
verdade. Se 97% deles consideram o assunto crítico para o sucesso no futuro, o
que eles fazem hoje para EFETIVAMENTE assegurarem isso? Lembrando que esse
estudo vem sendo conduzido desde 2007, esta é a quarta publicação e em dez anos
já dá para perceber muita coisa que, supostamente, foi feita.
Outra questão que me intrigou por
demais é o fato de 79% dos entrevistados responderem que marca, confiança e
reputação os levam para ações de sustentabilidade. Como diria o querido Silvio
Santos, mah oooooe! Eu estou quase lendo greenwashing nas entrelinhas desses
dados ou é só impressão minha?
Por mais que a pesquisa mostre
dados sensacionais (no estudo tem outros; aqui procurei colocar os que achei
mais interessantes), o que mais me chamou atenção disparadamente foi 590 CEOS
dizerem que conseguem medir de forma precisa o valor criado pela sustentabilidade
no negócio deles. Conta pra gente o segredo para a felicidade, por favor!
Será que, por um acaso os CEOs
estariam se referindo aos indicadores GRI, tipo, quanto a empresa consumiu de
energia em um ano ou quantas mulheres estão em cargos de liderança? Porque,
convenhamos, que valor esse tipo de indicador mede?
Quando a gente fala de
administração sustentável, o que interessa de verdade para o negócio não é
saber quantas mulheres são gestoras, mas o quão bom para a empresa está sendo
ter mais mulheres em cargos de liderança (cruzando dados de faturamento,
relacionamento com stakeholders, retenção de talentos, inovação, performance da
área, clima organizacional etc etc etc).
Porque quando a gente fala de
administração sustentável, não interessa saber qual o consumo energético escopo
um, dois e três da empresa. O que importa de verdade é a origem dessa energia,
o impacto que a empresa vai sofrer com mudanças climáticas e o que ela vem
fazendo para, efetivamente, reduzir suas emissões de gases do efeito estufa não
por unidade produzida, mas por emissões totais.
Não, caros CEOs eu não duvido da
resposta de vocês, mas o que é intrigante nessa história toda é que se as
empresas realmente têm esses dados qualitativos, por que elas não reportam?
Ah, e não podemos esquecer que os
próprios Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, lançados em 2015 pela ONU, e
que é base para essa pesquisa de 2016, nada mais é de que uma melhoria dos
Objetivos do Milênio lá de 2000 e que não foram bem sucedidos no alcance das
metas.
Enfim, o objetivo desse texto foi
apenas provocar e refletir sobre o panorama real da sustentabilidade nas
empresas. Tirem as conclusões que acharem melhor, mas fica a dica: por mais
cansativo que seja, por mais que entra ano, sai ano, o discurso fica em looping
e a prática ande a passos de tartaruga, vejam sempre o copo meio cheio.
Qualquer sustentabilidade é
sempre melhor que nenhuma sustentabilidade. Só tenham senso crítico para
filtrarem o blá blá blá de sempre e antes de acreditarem em qualquer coisa,
coloquem o veja bem para funcionar.