quinta-feira, 1 de março de 2018

Quer trabalhar com sustentabilidade, mas não tem experiência?


Tenho uma visão bem peculiar de sustentabilidade. Digo que trabalho para o meu emprego acabar e falo isso há mais de dez anos. Traduzindo: acredito que não é preciso ter a área dentro de uma empresa para a sustentabilidade realmente acontecer. Apesar desse olhar, vira e mexe recebo e-mails de pessoas me perguntando como fazer para trabalhar com sustentabilidade.

Em pouco mais de oito anos de existência desse blog, digo que uns 60% dos e-mails que respondo de pessoas que entram em contato comigo é sobre trabalhar com sustentabilidade. Muitos reclamam que para entrar na área as empresas exigem experiência, mesmo quando ela está sendo formada e nem as organizações sabem direito o que querem.

Uma vez escrevi sobre o perfil da área de sustentabilidade, o tipo de profissional procurado, as competências comportamentais que ele deve ter, as formações mais procuradas e as experiências ideais (não necessariamente em sustentabilidade). Não vou colocar o link aqui, pois o texto foi um dos primeiros do blog e hoje tenho uma visão bem mais madura, apesar de que, como disse no primeiro parágrafo, realmente achar que não é preciso ter a área para uma empresa ser sustentável. Achava isso na época, acho isso mais do que nunca agora.

Acontece que mesmo tendo a área em um monte de empresa, as pessoas não conseguem emprego para trabalhar em sustentabilidade. Ainda mais em tempos de crise, já que é um dos setores que mais sofrem cortes. Somado a isso, há um fator, digamos, agravante, pois, geralmente, a área costuma ser muito enxuta. Ou seja, poucas vagas que, quando aparecem, ou são ocupadas pelas mesmas pessoas de sempre, ou batem de frente com a falta de profissionais qualificados (e é uma dificuldade real que presencio aos montes, por mais que estejamos falando de uma área que caiu nas graças das empresas há mais de dez anos).

Uma vez conversando com uma pessoa que fazia um MBA voltado para sustentabilidade, mas trabalhava em algo completamente diferente, falei como ela poderia se tornar interessante para a área. Porque a primeira coisa que aviso é que pós-graduação não vai habilitar ninguém a ser um profissional de sustentabilidade e nem vai ser garantia de emprego. Isso, inclusive, foi uma das coisas que mais me irritou quando fiz um MBA na área, já que a maioria presente estava ali porque queria um emprego e não contribuir com troca de conhecimento.

Julianna, já entendi o cenário, mas gosto de sustentabilidade, quero trabalhar com isso, quero encontrar um propósito na minha vida, mas a maldita falta de experiência tá pegando. O que isso significa? Que meu mundo acabou, que estou condenado a ficar numa área que não quero mais, insatisfeito no trabalho, amargurado com a vida e candidato a uma úlcera?

Calma, jovem, não se desespere.

A principal dica que dou é fazer um trabalho voluntário que proporcione experiência em sustentabilidade. Neste caso, quando falo de voluntariado, não digo ir para uma creche limpar bumbum de criança. Falo da possibilidade de se fazer um voluntariado sustentável e como transformar uma ação meramente filantrópica em algo mais estratégico, que seja bom para organização e bom para você.

Isso pode acontecer de duas formas: seja participando de programas de voluntariado da sua empresa (esse programa, na crise, geralmente não é cortado, afinal, botar o presidente tirando foto com criança melequenta gera muita reputação), seja você mesmo procurando uma instituição do terceiro setor para propor soluções sustentáveis para ela.

Julianna, mas o que seria propor ações sustentáveis num trabalho voluntário?

Por exemplo, com essa crise, se teve uma área que sofreu um bocado foi o setor de arrecadação / captação das organizações. Já pensou em reestruturar o processo de captação ou criar uma campanha de arrecadação para uma instituição? Que tal então ajudar uma entidade na melhoria dos processos de forma a torna-los ambientalmente corretos? Ou então ser o interlocutor da organização com empresas que impactam a região? Ou cuidar das mídias sociais, gerando conteúdo de sustentabilidade e medindo o impacto do seu trabalho no resultado final da ONG?

Outra sugestão que também dou é aplicar a sustentabilidade na própria área em que você já trabalha. Tá no financeiro? Procure mecanismos ou proponha projetos que envolvam finanças sustentáveis. É do RH? Tem um mundo de ações para se fazer no engajamento interno, em treinamento, recrutamento... Trabalha no marketing, na comunicação, em supply, em IT? Dedique algumas horas da sua vida a como transformar o seu setor em uma área sustentável.

Inclusive, a segunda temporada do Sustentaí foi, justamente, sobre como podemos aplicar a sustentabilidade na nossa profissão sem ser da área de sustentabilidade. Teve jornalismo, marketing, economia, arquitetura, gastronomia, gerenciamento de projetos, publicidade, comunicação interna, engenharia química, design, engenharia de produção, moda... Não sei se esqueci alguma. Mas se esqueci, é só procurar na playlist.

Então galera, se vocês realmente querem fazer a transição para a área de sustentabilidade, sugiro seguir algum desses caminhos. Façam isso, gerem resultados e depois coloquem no currículo. Quando a crise acabar, porque ela vai acabar, tenho certeza que terão uma baita história para contar de suas experiências com sustentabilidade.

Julianna Antunes é consultora de sustentabilidade, palestrante, professora universitária e finalista de vários prêmios e concursos de sustentabilidade, tendo sido vencedora do Smart Living Challenge, cujo projeto foi apresentado na COP-21, em Paris. Faz mestrado em engenharia de produção na COPPE/UFRJ, com pesquisa voltada para inovação em modelos de negócio para o setor de petróleo e gás, e é criadora do Sustentaí, um projeto de democratização do conhecimento da sustentabilidade.

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