Tenho uma visão bem peculiar de sustentabilidade. Digo que trabalho
para o meu emprego acabar e falo isso há mais de dez anos. Traduzindo: acredito
que não é preciso ter a área dentro de uma empresa para a sustentabilidade
realmente acontecer. Apesar desse olhar, vira e mexe recebo e-mails de pessoas
me perguntando como fazer para trabalhar com sustentabilidade.
Em pouco mais de oito anos de existência desse blog, digo que uns 60%
dos e-mails que respondo de pessoas que entram em contato comigo é sobre
trabalhar com sustentabilidade. Muitos reclamam que para entrar na área as
empresas exigem experiência, mesmo quando ela está sendo formada e nem as
organizações sabem direito o que querem.
Uma vez escrevi sobre o perfil da área de sustentabilidade, o tipo de
profissional procurado, as competências comportamentais que ele deve ter, as
formações mais procuradas e as experiências ideais (não necessariamente em
sustentabilidade). Não vou colocar o link aqui, pois o texto foi um dos
primeiros do blog e hoje tenho uma visão bem mais madura, apesar de que, como
disse no primeiro parágrafo, realmente achar que não é preciso ter a área para
uma empresa ser sustentável. Achava isso na época, acho isso mais do que nunca
agora.
Acontece que mesmo tendo a área
em um monte de empresa, as pessoas não conseguem emprego para trabalhar em
sustentabilidade. Ainda mais em tempos de crise, já que é um dos setores que
mais sofrem cortes. Somado a isso, há um fator, digamos, agravante, pois,
geralmente, a área costuma ser muito enxuta. Ou seja, poucas vagas que, quando
aparecem, ou são ocupadas pelas mesmas pessoas de sempre, ou batem de frente
com a falta de profissionais qualificados (e é uma dificuldade real que
presencio aos montes, por mais que estejamos falando de uma área que caiu nas
graças das empresas há mais de dez anos).
Uma vez conversando com uma pessoa que fazia um MBA voltado para
sustentabilidade, mas trabalhava em algo completamente diferente, falei como
ela poderia se tornar interessante para a área. Porque a primeira coisa que
aviso é que pós-graduação não vai habilitar ninguém a ser um profissional de sustentabilidade
e nem vai ser garantia de emprego. Isso, inclusive, foi uma das coisas que mais
me irritou quando fiz um MBA na área, já que a maioria presente estava ali
porque queria um emprego e não contribuir com troca de conhecimento.
Julianna, já entendi o cenário, mas gosto de sustentabilidade, quero
trabalhar com isso, quero encontrar um propósito na minha vida, mas a maldita
falta de experiência tá pegando. O que isso significa? Que meu mundo acabou,
que estou condenado a ficar numa área que não quero mais, insatisfeito no
trabalho, amargurado com a vida e candidato a uma úlcera?
Calma, jovem, não se desespere.
A principal dica que dou é fazer um trabalho voluntário que
proporcione experiência em sustentabilidade. Neste caso, quando falo de voluntariado,
não digo ir para uma creche limpar bumbum de criança. Falo da possibilidade de
se fazer um voluntariado sustentável e como transformar uma ação meramente
filantrópica em algo mais estratégico, que seja bom para organização e bom para
você.
Isso pode acontecer de duas formas: seja participando de programas de
voluntariado da sua empresa (esse programa, na crise, geralmente não é cortado,
afinal, botar o presidente tirando foto com criança melequenta gera muita
reputação), seja você mesmo procurando uma instituição do terceiro setor para
propor soluções sustentáveis para ela.
Julianna, mas o que seria propor ações sustentáveis num trabalho
voluntário?
Por exemplo, com essa crise, se teve uma área que sofreu um bocado foi
o setor de arrecadação / captação das organizações. Já pensou em reestruturar o
processo de captação ou criar uma campanha de arrecadação para uma instituição?
Que tal então ajudar uma entidade na melhoria dos processos de forma a
torna-los ambientalmente corretos? Ou então ser o interlocutor da organização
com empresas que impactam a região? Ou cuidar das mídias sociais, gerando
conteúdo de sustentabilidade e medindo o impacto do seu trabalho no resultado
final da ONG?
Outra sugestão que também dou é aplicar a sustentabilidade na própria
área em que você já trabalha. Tá no financeiro? Procure mecanismos ou proponha
projetos que envolvam finanças sustentáveis. É do RH? Tem um mundo de ações
para se fazer no engajamento interno, em treinamento, recrutamento... Trabalha
no marketing, na comunicação, em supply, em IT? Dedique algumas horas da sua
vida a como transformar o seu setor em uma área sustentável.
Inclusive, a segunda temporada do Sustentaí foi, justamente, sobre como podemos aplicar a sustentabilidade na nossa profissão sem ser da área de sustentabilidade. Teve jornalismo, marketing, economia, arquitetura, gastronomia, gerenciamento de projetos, publicidade, comunicação interna, engenharia química, design, engenharia de produção, moda... Não sei se esqueci alguma. Mas se esqueci, é só procurar na playlist.
Então galera, se vocês realmente querem fazer a transição para a área
de sustentabilidade, sugiro seguir algum desses caminhos. Façam isso, gerem
resultados e depois coloquem no currículo. Quando a crise acabar, porque ela
vai acabar, tenho certeza que terão uma baita história para contar de suas
experiências com sustentabilidade.
Julianna Antunes é
consultora de sustentabilidade, palestrante, professora universitária e
finalista de vários prêmios e concursos de sustentabilidade, tendo sido
vencedora do Smart Living Challenge, cujo projeto foi apresentado na COP-21, em
Paris. Faz mestrado em engenharia de produção na COPPE/UFRJ, com pesquisa
voltada para inovação em modelos de negócio para o setor de petróleo e gás, e é
criadora do Sustentaí, um projeto de democratização do conhecimento da
sustentabilidade.