Não, o título desse post não é um clickbait.
Meu objetivo com esse post não é o de polemizar, mas apenas de fazer uma
análise crítica do que as pessoas abraçam cegamente e praticamente transformam
em religião. Se quem trabalha com economia circular se sentir ofendido, terás o
espaço totalmente disponível para justificar o que achar que deve, desde que,
obviamente, de forma coerente, lógica e bem respeitosa.
Vamos lá. Economia circular está na moda e não há como negar isso.
Está na moda dentro do meio da sustentabilidade, está na moda fora do meio da
sustentabilidade. Virou a queridinha do mercado, virou a queridinha da
indústria, virou a queridinha da imprensa e, medo, virou a queridinha de quem
não entende nada de sustentabilidade. Mas, afinal, o que é economia circular?
Grosso modo, economia circular significa extrair, produzir, consumir, reciclar/ reutilizar/remanufaturar,
produzir, consumir, reciclar/reutilizar/remanufaturar ∞. Ou seja, quando a
vida útil de algum produto acabar, ele volta ao sistema produtivo seja por meio
de remanufatura, reutilização ou reciclagem. É o tal do cradle
to cradle. Ou, como conhecemos, do berço ao berço.
A economia circular vem a ser justamente o contrário do que é
praticado na economia tradicional, que é a chamada economia linear.
Ou cradle to grave (do berço ao
túmulo), que significa extrair, produzir, consumir, descartar. Além de demandar
muito mais matéria prima virgem, esse modelo de economia gera muito mais
resíduo.
Caramba, Julianna, onde que isso é uma coisa ruim? Se a gente pensar
que mais de 78 milhões de toneladas de resíduos são descartados todos os anos
no Brasil e mais de 95% vão para lixões ou aterros sanitários gerar gás metano,
aquele gás do capeta, que é 21 vezes pior que o CO2, a economia circular veio
para resolver um baita problemão que o setor produtivo tem.
Sem contar, Julianna, que a gente está falando do fortalecimento do
setor de reciclagem, da criação de um mercado de logística reversa... Só na
União Europeia, por exemplo, estima-se que a economia circular possa injetar EU
550 bilhões na economia e gerar dois milhões de novos empregos (fonte: Ellen MacArthur).
Aí que vem a questão, meus caros. Não estou dizendo que a economia
circular é ruim. Muito pelo contrário. Se pensarmos no modelo de economia e
indústria que a gente vive hoje, ela é mais do que necessária, é fundamental.
Mas vamos analisar mais bem criticamente: será que esse é o modelo de economia
e indústria é viável no futuro?
A economia circular minimiza o problema de um modelo de
consumo/produção que notadamente não é sustentável. Fato. Só que ela é, na
verdade, a melhoria de processos de um modelo falido. Do ponto de vista da
inovação, seria algo do tipo uma empresa lançar um modelo ultra mega maxi
moderno de mp3 player hoje, num mundo
que está cada vez mais ouvindo música por streaming.
Ou seja, a economia circular é a sustentabilidade do século XX. É a
sustentabilidade do modelo industrial do passado. Celebrar a economia circular
como a solução para a sustentabilidade do planeta é, simplesmente, avalizar uma
lógica mental de um sistema econômico que é completamente ultrapassado.
Economia circular é paliativo dentro de um modelo econômico que foca no
crescimento eterno.
É claro que a economia circular é importante. É claro que ela é
necessária. É claro que ela tem muito valor hoje e é claro que ela terá o seu
papel em um modelo industrial do século XXI. A questão é que nem de longe ela tem
o protagonismo que a modinha da sustentabilidade quer impor.
Tem um livro que eu amo, que se chama Muito
Além da Economia Verde, do querido economista Ricardo Abramovay. Nele, o
Abramovay fala justamente isso, de que não adianta a gente melhorar processos,
ser mais eficientes, reduzir o consumo de recursos naturais por unidade de
produção, se a gente está focado em crescimento e em produzir cada vez mais.
Por unidade a gente consome menos, mas no final das contas o consumo é muito
maior.
No livro, o Abramovay diz claramente: o mundo precisa de uma nova economia. E a gente está caminhando
para isso. Talvez não no tempo necessário. Mas estamos em transição de uma
sociedade industrial para uma sociedade do conhecimento. Não, a indústria não
vai acabar, assim como ninguém deixou de comer porque saímos da sociedade
agrícola lá em 1700 e bolinha. Acontece que a indústria vai se transformar.
Inclusive, tem um vídeo que eu postei falando sobre o papel do engenheiro de
produção no futuro, onde trato exatamente disso.
O fato é que o atual modelo de cadeias globais de produção tende a
sumir. Vamos analisar aqui: do ponto de vista ambiental esse modelo é uma
tragédia. Pensem na quantidade de gases de efeito estufa que é emitido trazendo
um produto fabricado na China para ser vendido no resto do mundo. Pensem no
chamado “racismo”
ambiental que é relegar poluição e outros impactos ambientais às regiões
mais pobres do planeta. Pensem nas questões sociais, como violações de direitos
básicos, salários indignos e condições insalubres de trabalho.
Agora pensem numa outra questão que, talvez, seja a mais importante. De que adianta falarmos de economia
circular, se o modelo econômico vigente é voltado para um consumo completamente
irresponsável? Estamos falando, por exemplo, da produção anual de 80
bilhões de peças de roupas. Qual o sentido em falarmos de produção mais limpa,
de design de ciclo fechado, de logística reversa, de reciclagem, se estamos
falando da produção de 80 bilhões de peças de roupas por ano?
Qual o sentido de tratamos de reduzir o desperdício de produção, de
trabalhar com cortes que gerem menos resíduos de tecidos, de priorizar o upcycling, de utilizar
algodão orgânico e bla bla bla se estamos falando da produção de pelo menos 10
peças de roupa para cada ser humano habitante da Terra POR ANO?
Então, meus caros, quando eu digo que economia circular não é esse
borogodó todo, não é para polemizar e muito menos diminuir quem trabalha, quem
estuda ou quem é um entusiasta dessa área. É realmente uma análise crítica de
que ela não é salvadora da pátria e muito menos solução para os problemas de
sustentabilidade que o mundo vem enfrentando. Porque, na verdade, a solução
para a sustentabilidade do planeta está, principalmente, na gente e no nosso
modelo de consumo.