segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Inovação do século XXI e porque as empresas do século XX não sabem lidar com ela

Falar que o mundo está passando por muitas transformações nos últimos anos é mais do que chover no molhado. Hoje, a inovação é a grande protagonista das organizações do século XXI e mais do que nunca, o inovar ou morrer faz sentido no mundo corporativo.

As empresas nativas deste novo século são naturalmente mais inovadoras, mais ágeis e lidam com isso de uma forma muito mais simples. Está no DNA. Acontece que a gente tem um, digamos, legado do século passado que simplesmente não vai desaparecer de uma hora para outra. A era industrial não vai acabar simplesmente porque estamos adentrando na era do conhecimento.

Para quem não sabe, faço mestrado em engenharia de produção com linha de pesquisa voltada para inovação. A minha dissertação é voltada, justamente, para a transição das empresas do século XX para o século XXI, olhando para como será a inovação em seu modelo de negócios. O recorte que escolhi foi o setor de petróleo e gás.
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Julianna, o que isso tem a ver com sustentabilidade?

Tudo a ver, meus caros. A matriz energética global está mudando, as mudanças climáticas estão batendo na nossa porta e as regulamentações governamentais estão cada vez mais restritivas para setores intensivos em carbono. Acontece que o setor de petróleo e gás é too big to fail. Ele não vai sumir, mas seu protagonismo vai acabar, seu tamanho vai mudar consideravelmente e isso vai impactar no seu modelo de negócios. No que ele vai se transformar? É o que eu pesquiso.

Apesar de ainda muito forte, a chamada inovação fechada é a mais comumente praticada pelas empresas tradicionais. E o que isso significa? Significa que elas têm muito dinheiro para colocar em um departamento de P&D e pesquisar soluções ou produtos inovadores. Aí depois de todo um processo, onde a chance de o projeto morrer é muito maior do que vingar, se ele chega ao mercado, a empresa é responsável pela sua comercialização, pelo seu lucro e pelas patentes que saírem dessa inovação.

Só que essa inovação não é para qualquer um. Ela é cara, geralmente é lenta e nem faz tanto sentido em um mundo como o de agora. Não que ela não tenha importância, ela é muito importante, mas dentro de um mundo de inovação frenética e disruptiva, ela vem perdendo o protagonismo para outros modelos.

Com a chegada no mercado de empresas ágeis e que seguem um ritmo muito mais acelerado de gestão, o conceito de inovação também ficou mais lean. Prototipar é o verbo das startups. Errar rápido e errar barato, se for o caso. O conceito é lindo, mas não funciona se a iniciativa partir de uma empresa grande, que quase nunca é lean. Só que elas perceberam isso.

Uma das opções que as grandes empresas têm é criar um, sei lá, departamento de inovação, que siga os moldes de inovação das startups, mas que tenha autonomia. A outra alternativa seria criar a sua própria startup com uma administração totalmente independente da matriz. E a outra alternativa é trazer startups para junto delas. É aí que está acontecendo o grande problema.

Uma das maneiras mais legais de promover a aproximação de startups e grandes empresas é por meio dos chamados hackathons, onde equipes desenvolvem soluções para as grandes empresas. Mas a pergunta é: quem é dono da inovação que é desenvolvida nesses eventos? As empresas, os desenvolvedores ou os dois?
Seguindo a mentalidade do século XX e da inovação fechada, as empresas querem que diversos grupos busquem inovações para ela em troca de pizza e refrigerante (para os que não saem vencedores) ou de um prêmio irrisório aos primeiros colocados. Ou seja, o objetivo é apropriação dessas inovações.

Ah, Julianna, mas participa quem quer. Sim, participa quem quer e nem por isso está certo. Vou dar dois exemplos do que estou falando.

Fiquei super empolgada com o hackathon da Petrobras, que tem tudo a ver com a minha dissertação. Estava me articulando, até, para participar. Aí chega a hora da leitura do regulamento e destaco alguns pontos:

5.4.3. Todas as 12 (doze) equipes participantes deverão disponibilizar para a Promotora o código fonte e documentação associada ao projeto, conforme definido e divulgado oportunamente pela Promotora.

7.1. Cada uma das 12 (doze) equipes selecionadas de acordo com os critérios aqui estabelecidos e na forma do item 3, farão jus a 1 (um) kit contendo 4 (quatro) mouses, 4 (quatro) teclados sem fio e 4 (quatro) mouse pads personalizados. Valor unitário de cada kit de R$ 787,80 (setecentos e oitenta e sete reais e oitenta centavos), totalizando o valor de R$ 9.453,60 (nove mil, quatrocentos e cinquenta e três reais e sessenta centavos).

7.2. O grupo mais bem avaliado receberá um prêmio de R$ 40 mil; o segundo, de R$ 16 mil e o terceiro, de R$ 8 mil. Todas as equipes vão receber certificados de participação no evento e um kit contendo mouses, teclados sem fio e mousepads personalizados. As 3 (três) equipes vencedoras selecionadas na forma do item 6, farão jus, cada uma, a 4 (quatro) cartões de débito, com a função saque bloqueada, no valor definido conforme a classificação alcançada.

11.4. Os participantes autorizam a utilização dos dados fornecidos, ficando esclarecido que a participação neste concurso poderá implicar, a critério da Promotora, na utilização pela Promotora das ideias e projetos desenvolvidos, no todo ou em parte, sem limite de prazo ou pagamento de qualquer natureza, para desenvolvimento ou criação de novos produtos e serviços, tendo como referência as ideias ou aplicativos apresentados no Hackathon Postos Petrobras.

Qual a melhor palavra para definir o hackathon da Petrobras? Predatório?

Além desse absurdo, surgiu na mídia por esses dias outro concurso que não no modelo de hackathon, mas igualmente predatório. A Coca-Cola lançou um desafio para cientistas resolverem um de deus maiores problemas da atualidade: o uso do adoçante. O prêmio? U$ 1.000.000,00.

Porra, Julianna, você tá reclamando de UM MILHÃO DE DÓLARES?

Não, meu querido, estou reclamando de uma empresa que fatura bilhões querer apropriar de uma inovação pagando essa merrequinha. Porque, convenhamos, ela já tentou essa inovação por meios próprios. E não conseguiu. Ela já tentou essa inovação por meio de sua rede e também não conseguiu. Aí ela abriu para o mundo inovar para ela.

A questão é que por mais que o setor industrial não vá acabar, ele precisa mudar radicalmente o seu modelo de fazer as coisas. O século XX já passou e muita coisa nele não deu certo. O apetite predatório que as empresas de se apropriar das coisas é uma delas.


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