Falar que o mundo está passando
por muitas transformações nos últimos anos é mais do que chover no molhado. Hoje,
a inovação
é a grande protagonista das organizações do século XXI e mais do que nunca, o
inovar ou morrer faz sentido no mundo corporativo.
As empresas nativas deste novo
século são naturalmente mais inovadoras, mais ágeis e lidam com isso de uma
forma muito mais simples. Está no DNA. Acontece que a gente tem um, digamos,
legado do século passado que simplesmente não vai desaparecer de uma hora para
outra. A era industrial não vai acabar simplesmente porque estamos adentrando
na era do conhecimento.
Para quem não sabe, faço mestrado
em engenharia de produção
com linha de pesquisa voltada para inovação.
A minha dissertação é voltada, justamente, para a transição das empresas do
século XX para o século XXI, olhando para como será a inovação
em seu modelo de negócios. O recorte que escolhi foi o setor de petróleo
e gás.
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Julianna, o que isso tem a ver
com sustentabilidade?
Tudo a ver, meus caros. A matriz
energética global está mudando, as mudanças
climáticas estão batendo na nossa porta e as regulamentações
governamentais estão cada vez mais restritivas para setores intensivos em
carbono. Acontece que o setor de petróleo e gás é too big
to fail. Ele não vai sumir, mas seu protagonismo vai acabar, seu tamanho
vai mudar consideravelmente e isso vai impactar
no seu modelo de negócios. No que ele vai se transformar? É o que eu
pesquiso.
Apesar de ainda muito forte, a
chamada inovação
fechada é a mais comumente praticada pelas empresas tradicionais. E o que
isso significa? Significa que elas têm muito dinheiro para colocar em um
departamento de P&D e pesquisar soluções ou produtos inovadores. Aí depois
de todo um processo, onde a chance de o projeto morrer é muito maior do que vingar,
se ele chega ao mercado, a empresa é responsável pela sua comercialização, pelo
seu lucro e pelas patentes que saírem dessa inovação.
Só que essa inovação não é para
qualquer um. Ela é cara, geralmente é lenta e nem faz tanto sentido em um mundo
como o de agora. Não que ela não tenha importância, ela é muito importante, mas
dentro de um mundo de inovação frenética e disruptiva, ela vem perdendo o protagonismo
para outros modelos.
Com a chegada no mercado de
empresas ágeis e que seguem um ritmo muito mais acelerado de gestão, o conceito
de inovação também ficou mais lean. Prototipar
é o verbo das startups. Errar rápido
e errar barato, se for o caso. O conceito é lindo, mas não funciona se a
iniciativa partir de uma empresa grande, que quase nunca é lean. Só que elas perceberam isso.
Uma das opções que as grandes
empresas têm é criar um, sei lá, departamento de inovação, que siga os moldes
de inovação das startups, mas que
tenha autonomia. A outra alternativa seria criar a sua própria startup com uma
administração totalmente independente da matriz. E a outra alternativa é trazer
startups para junto delas. É aí que está acontecendo o grande problema.
Uma das maneiras mais legais de
promover a aproximação de startups e grandes empresas é por meio dos chamados hackathons, onde equipes
desenvolvem soluções para as grandes empresas. Mas a pergunta é: quem é dono da
inovação que é desenvolvida nesses eventos? As empresas, os desenvolvedores ou
os dois?
Seguindo a mentalidade do século
XX e da inovação fechada, as empresas querem que diversos grupos busquem
inovações para ela em troca de pizza e refrigerante (para os que não saem
vencedores) ou de um prêmio irrisório aos primeiros colocados. Ou seja, o
objetivo é apropriação dessas inovações.
Ah, Julianna, mas participa quem
quer. Sim, participa quem quer e nem por isso está certo. Vou dar dois exemplos
do que estou falando.
Fiquei super empolgada com o hackathon da Petrobras, que tem
tudo a ver com a minha dissertação. Estava me articulando, até, para
participar. Aí chega a hora da leitura do regulamento e destaco alguns pontos:
5.4.3. Todas as 12 (doze) equipes
participantes deverão disponibilizar
para a Promotora o código fonte e
documentação associada ao projeto, conforme definido e divulgado
oportunamente pela Promotora.
7.1. Cada uma das 12 (doze)
equipes selecionadas de acordo com os critérios aqui estabelecidos e na forma
do item 3, farão jus a 1 (um) kit
contendo 4 (quatro) mouses, 4 (quatro) teclados sem fio e 4 (quatro) mouse pads
personalizados. Valor unitário de cada kit de R$ 787,80 (setecentos e oitenta e
sete reais e oitenta centavos), totalizando o valor de R$ 9.453,60 (nove
mil, quatrocentos e cinquenta e três reais e sessenta centavos).
7.2. O grupo mais bem avaliado
receberá um prêmio de R$ 40 mil; o
segundo, de R$ 16 mil e o terceiro,
de R$ 8 mil. Todas as equipes vão
receber certificados de participação no evento e um kit contendo mouses,
teclados sem fio e mousepads personalizados. As 3 (três) equipes vencedoras
selecionadas na forma do item 6, farão jus, cada uma, a 4 (quatro) cartões de débito, com a função saque bloqueada, no
valor definido conforme a classificação alcançada.
11.4. Os participantes autorizam
a utilização dos dados fornecidos, ficando esclarecido que a participação neste
concurso poderá implicar, a critério da Promotora, na utilização pela Promotora das ideias e projetos desenvolvidos, no todo
ou em parte, sem limite de prazo ou pagamento de qualquer natureza, para
desenvolvimento ou criação de novos produtos e serviços, tendo como referência
as ideias ou aplicativos apresentados no Hackathon Postos Petrobras.
Qual a melhor palavra para
definir o hackathon da Petrobras? Predatório?
Além desse absurdo, surgiu na
mídia por esses dias outro concurso que não no modelo de hackathon, mas
igualmente predatório. A Coca-Cola lançou um desafio
para cientistas resolverem um de deus maiores problemas da atualidade: o
uso do adoçante. O prêmio? U$ 1.000.000,00.
Porra, Julianna, você tá
reclamando de UM MILHÃO DE DÓLARES?
Não, meu querido, estou
reclamando de uma empresa que fatura bilhões querer apropriar de uma inovação
pagando essa merrequinha. Porque, convenhamos, ela já tentou essa inovação por
meios próprios. E não conseguiu. Ela já tentou essa inovação por meio de sua
rede e também não conseguiu. Aí ela abriu para o mundo inovar para ela.
A questão é que por mais que o
setor industrial não vá acabar, ele precisa mudar radicalmente o seu modelo de
fazer as coisas. O século XX já passou e muita coisa nele não deu certo. O
apetite predatório que as empresas de se apropriar das coisas é uma delas.