quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Se você quer trabalhar com sustentabilidade, fuja da área de sustentabilidade

Antes de começar a escrever, devo dizer que título não é uma ironia. Pelo contrário, ele é bem sério. 

É importante deixar claro que não estou falando de área operacional, onde vamos encontrar pessoas formadas em biologia que vão trabalhar respondendo condicionantes de biodiversidade ou engenheiros ambientais que vão trabalhar com recursos hídricos, por exemplo. Não estou falando do analista/coordenador/gerente de meio ambiente. Falo do analista / coordenador / gerente / whatever de sustentabilidade.

Pouco importa a sua formação, a sua experiência ou o que você espera que seja a área. A verdade é que você vai se frustrar. Sabe por que? A área de sustentabilidade é composta, basicamente, de (poucas) pessoas voltadas para relatório, relacionamento e prestação de contas.

Ou seja, projetos sociais/ambientais/voluntariado, relacionamento com entidades tipo Ethos, CEBDS e ONGs, inscrição em prêmios de empresa mais sustentável do universo, compra de canequinha para  dar colaboradores, ISE Bovespa, CDP, relatório de sustentabilidade e eventos me engana que eu gosto.

Além disso, a área tem como meta de vida pentelhar o povo de comunicação dia sim e outro também para colocar matérias dos projetos na intranet, no mural e no mailing. Se tiver moral, consegue até espaço no site corporativo. Depois de tudo isso, você mistura uma pitada de gestão da rotina, que é o momento onde você mostra pros seus pares e superiores imediatos tudo o que você fez no mês, na quinzena, na semana, whatever. E todo mundo sai feliz. Ou não.

Acreditem em mim, isso é chato da porra. Pior, isso é brochante. Desanima. É claro que coloquei uma lente de aumento e estou generalizando. Mas é o dia-a-dia da área de sustentabilidade da maioria esmagadora das empresas. É sério. É assim que funciona.

A parte inteligente (e legal) da sustentabilidade fica, quando tem, ou na mão das consultorias, ou na mão das próprias áreas. E às vezes, ou melhor, na maioria das vezes, elas, sequer, sabem que o que estão fazendo é sustentabilidade.

Talvez, se a sua empresa for joinha, pode ser que você consiga rodar um projetinho de capacitação pra fornecedores. E aí a área de supply vai mandar uns 20 representantes dos mais de 2 mil fornecedores que a empresa tem e você terá de se dar por muito feliz com isso.

Julianna, tô desenhando um super projeto de eficiência de consumo de água das fábricas da empresa e quero vender pro meu chefe. Meu caro, se ele comprar, já que, dificilmente é escopo da área, é bem provável que ele tenha de vender para o gestor da fábrica. E se esse gestor comprar, quem vai tocar é a fábrica, não você.

Julianna, criei uma matriz pra fazer mapeamento de ações de sustentabilidade de todas as unidades da empresa e acho que vai ser sensacional. Meu querido, a menos que você tenha um chefe brilhante e vanguardista que vai te colocar pra fazer isso, você é pago pra fazer gestão da rotina. Nunca se esqueça disso. Gestão da rotina.

E se o chefe gostar, mas não for brilhante e vanguardista, ele até compra a ideia. E joga pra uma consultoria fazer. Porque é assim que funciona. A parte legal quem faz é consultoria. E cobra uma fortuna pra fazer o que você está seco pra fazer pelo seu salário. Que deve ser 10x menor que a fatura de serviços que vai chegar pro seu chefe assinar.

Meus caros, sem rodeio ou floreios, essa é a realidade. Há um bom tempo converso com pessoas que estão na área e estão frustradas. Vejo um movimento contrário, com a galera querendo sair da sustentabilidade e buscar novos rumos para a carreira.

A boa notícia é que eu acho que tem algumas alternativas e ninguém precisa desistir.

Alternativa um: vá pra uma área funcional. Se quer trabalhar com sustentabilidade mesmo, vá pra operação, vá pra fábrica. Vá ver a coisa acontecendo no dia-a-dia. Vá pra longe da sua zona de conforto sem medo que o corporativo te esqueça. Sustentabilidade não é feita no escritório com a bunda sentada em frente a um computador e um garçom servindo pipoca e guaraná (juro, conheço empresa assim!)

Alternativa dois: vá pra consultoria. Mas digo, não está um mercado fácil. Passada a Rio+20 e com o planeta solar em crise, as consultorias especializadas estão estranguladas (ops, conheço essa realidade). Quando pinta um bom trabalho, geralmente é via uma das bigs. Portanto, se quer trabalhar em sustentabilidade com emoção e falta de rotina na sua vida, envie currículo pra Accenture, EY, Delloitte, Price e reze pra ter uma vaga aberta. Se conhece alguém lá, o caminho pode ser mais fácil. 

Alternativa três: essa é a que mais me chama atenção e é onde acho que pode dar mais caldo. Procure uma empresa cujo business tenha a ver com sustentabilidade. Empresa de energia renovável, empresa de construção sustentável (não confunda com empresa certificadora), empresa de tecnologias sustentáveis, empresa química (sim, empresa química!!) e bla bla bla. Dá uma olhada na área de novos negócios e veja se faz sentido.

E se nada fizer sentido, meu caro, desista de vez. Ou vire hippie.

3 comentários:

  1. kkkk Gostei do artigo, Julianna!

    Realmente, Sustentabilidade e Brasil está longe de ser um casamento perfeito.

    Mas nosso mercado aos poucos está melhorando.

    Abraços!

    Att,

    SAULO SEGURADO
    http://saulosegurado.com

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  2. Simplesmente A-DO-REI o seu post, Julianna, e me enquadro bastante com tudo isso.
    Eu sou jornalista de formação, com MBA em Gestão Ambiental. Passei de consultora de Sustentabilidade (até 2009) sem férias e convênio médico para a área de Responsabilidade Social de uma empresa privada que me pagava super pouco (até 2011). Depois recebi um convite pra trabalhar na área de Comunicação e Sustentabilidade de outra organização privada que, em menos de um ano e meio, virou Comunicação e Marketing. Todo o trabalho de sustentabilidade se perdeu em poucas semanas.
    Em 2013, vim para a área de Com. e Educação (nova pra mim) de um instituto de reciclagem de embalagens de defensivos agrícolas, onde respiro sustentabilidade no meu dia a dia, em contatos com produtores rurais e os filhos deles! Finalmente, estou realizada e FELIZ.

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  3. Olá Juliana!

    Gostei muito do seu post, divertido e verdadeiro. Porém, peço licença para reforçar uma colocação que você fez: é uma visão anedótica, no sentido de que aspectos relacionados à profissão são destacados em grandes dimensões. Assim, Juliana, vejo que uma outra perspectiva - histórica talvez - nos faz pensar que os paradoxos que você aponta fazem parte de um momento incipiente de submersão da idéia de sustentabilidade no interior das companhias. Vejo um exemplo parecido com a transformação dos departamentos de pessoas em Setor de Recursos Humanos. Esta mudança qualitativa se fez a partir de um habitus inicial burocrata e quadrado - que agora penso eu vivenciamos - para um outro, redondo e bochechudo, isto é, que humaniza a relação social nas corporações.
    Enfim gente, sendo a dinâmica do universo uma frequência eterna de expansão e retração, podemos então considerar que a visão da Ju está mais apropriada ao movimento de retração, de crítica, de ressentimento e frustração; mas que este buraco em que nos enfiamos terá fim e a partir de então reagiremos em um movimento ascendente, de libertação do conceito de sustentabilidade do controle burocrático, brochante, desgraçado, insosso e fedido para vivermos dias mais felizes.

    Um abraço

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