Para começar a falar de comércio justo e a sua importância para sustentabilidade, vou falar de um caso que presenciei alguns anos atrás. Na época estava no Iniciativa Jovem (programa mundial da Shell de fomento ao empreendedorismo jovem) e me preparava para a elaboração de um plano de negócios sustentável.
Um participante do programa identificou oportunidade de abrir uma lavanderia no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Tecnicamente era uma baita oportunidade, já que o bairro possui bom poder aquisitivo, muitos solteiros e simplesmente não havia nenhuma lavanderia para fazer concorrência. Mas à medida em que o plano era feito, ficava cada vez mais claro o porquê de não haver lavanderias em Santa Teresa.
Para quem não conhece, Santa Teresa é como uma cidade do interior no coração do Rio de Janeiro. Todo mundo se fala, anda-se de bonde, é um bairro de muitos artistas, que está sempre de portas abertas, mesmo cercada por seis morros. Tirando a parte violenta, morro e asfalto se dão muito bem por lá. Lá é comum que moradoras dos morros lavem roupa para fora. Quem paga por esse serviço não está disposto a usar as lavanderias, mesmo que elas ofereçam um serviço mais barato ou mais completo. Isso é a ponta final do chamado comércio justo.
Classicamente, comércio justo ou fair trade é definido como um fluxo comercial diferenciado, baseado no cumprimento de critérios de justiça e solidariedade nas relações comerciais, resultando no protagonismo dos Empreendimentos Econômicos e Solidários por meio da participação ativa e do reconhecimento da sua autonomia. Traduzindo: é um modelo de comércio que busca o estabelecimento de preços justos, bem como padrões sociais e ambientais equilibrados nas cadeias produtivas e que valoriza o desenvolvimento de comunidades ou grupos de pequenos produtores.
O conceito de comércio justo é relativamente antigo, iniciado em 1960, e ganhou força no mundo a partir de 1967, quando foi criada na Holanda a Fair Trade Organisatie (Fair Trade Organization). No Brasil, apesar do conceito existir desde a década de 70, ele só se organizou de verdade em 2001, quando organizações de produtores, entidades de assessoria e governo se articularam para formar a FACES do Brasil, que é a entidade que trata do assunto no país.
O comércio justo pode estar presente em qualquer atividade produtiva, como artesanato e confecções, mas é mais presente na agricultura, sendo o café o primeiro produto a ter essa chancela, em 1988. E esse é um mercado que cresce na casa dos dois dígitos nos últimos anos. Em 2009, por exemplo, as vendas no varejo de produtos advindos do comércio justo superaram os dois bilhões de euros, beneficiando diretamente cerca de um milhão de agricultores de 50 países.
Para se ter ideia da aceitação do conceito, hoje existem mais de 2700 lojas especializadas em comercialização de produtos do comércio justo no mundo inteiro, e uma certificação mundial criada pela WFTO (World Fair Trade Organization). Inclusive, essa certificação é, em alguns casos, imperativo para que produtos sejam exportados para determinados mercados, principalmente o europeu.
É interessante ver como o conceito de comércio justo vem sendo constantemente citado, pois com a profusão de grandes redes e modelos de negócio que eliminam a pequena concorrência, ele meio que foi deixado de lado por um bom tempo. E muito disso por culpa unicamente nossa, afinal, é mais conveniente recebermos o jornal em casa, é mais prático comprarmos tudo em um lugar só, sem contar que as grandes redes de varejo, pelo seu poder de barganha, pode nos oferecer preços menores. Faça o exercício; bote a cabeça para funcionar. Quantas quitandas e quantos açougues ainda existem no seu bairro?